Título: Londres atrás de ex-espião russo
Autor:
Fonte: O Globo, 23/05/2007, O Mundo, p. 27

Reino Unido exige de Moscou extradição de suspeito por morte de ex-agente da KGB.

LONDRES

OMinistério Público inglês acusou ontem um ex-agente da KGB pelo assassinato de outro em Londres, ano passado, e pediu à Rússia sua extradição para o Reino Unido. O governo britânico apoiou a medida, que deve afetar as já complicadas relações diplomáticas entre os países, pois Moscou logo negou que vá enviar Andrei Lugovoi a Londres para que ele seja julgado pela morte de Alexander Litvinenko.

O caso se tornou mundialmente conhecido, pois Litvinenko foi envenenado num restaurante londrino com polônio-210, uma substância radiativa, em novembro passado, no mais obscuro caso de espionagem e assassinato ocorrido desde o fim da Guerra Fria. O ex-agente agonizou por três semanas antes de morrer, período no qual acusou o presidente da Rússia, Vladimir Putin, pelo envenenamento.

¿ Ninguém deve ter dúvida alguma sobre a seriedade com que encaramos este caso. Assassinato é assassinato, e este é um caso muito grave ¿ disse o porta-voz do Gabinete do primeiro-ministro britânico, Tony Blair.

Acusado nega envolvimento

O embaixador russo em Londres, Iúri Fedotov, foi convocado pela Chancelaria britânica e recebeu a mensagem de que o governo britânico espera uma ¿cooperação total¿ de Moscou.

O diretor do Ministério Público inglês, Ken MacDonald, disse não ter dúvidas de que há dados suficientes para levar Lugovoi à corte:

¿ Hoje concluí que os indícios enviados para nós pela polícia são suficientes para acusar Andrei Lugovoi pelo assassinato de Litvinenko.

Já o acusado negou qualquer participação no crime e colocou em dúvida a lisura do processo de investigação feito pela polícia britânica.

¿ Considero que esta decisão teve motivações políticas ¿ disse Lugovoi, em Moscou. ¿ Não matei Litvinenko, nada tive a ver com sua morte e posso provar com fatos minha desconfiança sobre os supostos indícios coletados pelo sistema de Justiça britânico.

O governo britânico afirmou que confia que Moscou enviará Lugovoi para ser julgado no Reino Unido, ressaltando que a Rússia ratificou, em 2001, a convenção européia de extradições. O pedido oficial deve ser enviado a Moscou até o fim da semana, assim que for traduzido para o russo.

Porém, a porta-voz do Ministério Público russo, Marina Gridneva, afirmou que a Constituição do país não permite a extradição:

¿ Um cidadão que cometa um crime no território de um Estado estrangeiro pode ser levado a julgamento com a utilização de materiais (provas) fornecidos por este Estado, mas somente em território russo caso a legislação russa estipule uma penalização para um crime similar.

O caso Litvinenko atraiu a atenção por reunir elementos de espionagem, assassinato e uso de material radiativo. Quando agente do FSB ¿ sucessor da KGB após o desmantelamento da União Soviética ¿ Litvinenko foi acusado de abuso do cargo. Ele dissera publicamente que recebera ordens de superiores para matar o empresário russo exilado Boris Berezovsky.

Pouco antes de fugir da Rússia e pedir asilo ao Reino Unido, Litvinenko publicou, em 1998, um livro no qual dizia que a subida de Putin ao poder fora um golpe de Estado. Uma vez no Reino Unido, acabou se aproximando de Berezovsky, opositor do presidente russo. Lugovoi, acusado pelo assassinato de Litvinenko e também ex-agente do FSB, foi chefe da equipe de segurança do empresário Berezovsky.

Em 1º de novembro de 2006, Litvinenko e um outro empresário russo, Dimitri Kovtun, encontraram-se em Londres com Lugovoi no bar do Hotel Millenium. Horas depois do encontro, Litvinenko adoeceu, envenenado por material radiativo. Kovtun também apresentou sinais de contaminação, mas de menor gravidade.

As investigações da polícia se concentraram na trilha de vestígios radiativos no país. Foram encontrados traços de plutônio-210 em todos os lugares em que Lugovoi esteve.

Reino Unido e Rússia têm fortes ligações comerciais e fazem parte de grupos seletos na política internacional, como o Conselho de Segurança da ONU e o G8.

¿ Tudo isso não supera a necessidade de o império da lei no âmbito internacional ser respeitado, e nós não nos esquivaremos de tentar fazê-lo ser assegurado num caso como esse ¿ disse o porta-voz de Tony Blair.

Longa lista de crises diplomáticas

A Rússia, por sua vez, exige a extradição de Berezovsky, que declarou que o governo Putin deveria ser derrubado pela força. Ele é acusado de ter desviado dinheiro durante as privatizações no governo de Bóris Yeltsin. Londres o considera um refugiado político e não aceita extraditá-lo.

Mas os problemas diplomáticos russos não se limitam a Londres. As relações entre Moscou e o Ocidente estão no pior nível desde o fim da URSS.

O país foi acusado de ter promovido um ataque cibernético à Estônia, que interrompeu praticamente todos os serviços de transmissão de dados do país por duas semanas no início deste mês. O ataque ocorreu depois de o governo estoniano ter transferido um estátua de soldados soviéticos mortos na Segunda Guerra Mundial do centro da capital, Tallin, para um cemitério. Moscou também cortou o fornecimento de petróleo para a Lituânia após o país ter preferido vender uma refinaria para um consórcio europeu, e não para russos.

A Rússia também embargou a compra de carne da Polônia com argumentos rejeitados pela União Européia, que além disso não aceita os termos que Moscou tenta impor para vender gás natural para o bloco. Polônia, República Tcheca e EUA também estão com relações estremecidas com a Rússia devido às negociações para a construção de um escudo antibalístico.