Título: No limiar da crise de energia elétrica
Autor: Franco, Albano
Fonte: O Globo, 24/05/2007, Opinião, p. 7

Os especialistas em planejamento energético são unânimes em afirmar que, a partir de 2010, o Brasil inevitavelmente sofrerá racionamentos de eletricidade, como conseqüência da ausência de investimentos na geração e distribuição de energia ao longo dos últimos cinco anos. De fato, a contabilidade do setor registra que foi no governo de Fernando Henrique Cardoso, após o apagão de 2001, quando os níveis das principais barragens estiveram muito baixos, que foram realizados investimentos em usinas termelétricas, como forma de atenuar o problema, vez que essas geradoras podem ser instaladas em curtíssimo prazo. Entretanto, por serem poluentes e de custos operacionais elevados, as térmicas não representam uma solução eficaz para o enfrentamento do problema energético. Sua utilização se dá em circunstâncias emergenciais ou na total impossibilidade de outras soluções mais econômicas e ambientalmente mais recomendáveis. Além do mais, por motivos que já são bastante óbvios, não podemos ficar dependentes da Bolívia, atualmente nosso principal fornecedor de gás.

Desde o início dos anos 50, quando a Chesf foi inaugurada, passando por Itaipu na década de 1970, até a instalação de Xingó nos anos 80, última grande barragem construída, o Brasil, em face de sua rica geografia hídrica, tem optado pela hidreletricidade, que responde, atualmente, por 92% dos 82 mil megawatts instalados. Todavia, com opções cada vez mais distantes dos centros consumidores, a solução hidráulica vem perdendo sua eficácia econômica e ambiental, pelos altos investimentos e enormes perdas na transmissão e pelos desequilíbrios que causa ao meio ambiente, além do longo prazo para a construção das usinas, mais de doze anos, em média. Em relação ao meio ambiente, cabe exemplificar as atuais dificuldades no âmbito do governo na liberação das licenças visando à construção das usinas no Rio Madeira, na Amazônia.

A alternativa termonuclear, colocada em prática nos anos 70 visando, principalmente, ao domínio da tecnologia de enriquecimento de urânio, apresenta-se, de acordo com os especialistas, como um caminho que, necessariamente, deverá ser trilhado nos próximos anos. No planejamento do governo está prevista a construção de quatro usinas de mil MW cada, além de Angra III, sendo duas no Nordeste. Nesta região provavelmente será inevitável a instalação dessas usinas, em razão do total esgotamento do potencial hidrelétrico do Rio São Francisco. Com prazo de construção menor que as hidrelétricas - cerca de seis anos - as termonucleares têm a vantagem de serem instaladas próximo aos centros consumidores, barateando os investimentos em transmissão e com expressiva redução nas perdas de energia. Considerada limpa pelos preservacionistas, essa modalidade foi recentemente recomendada como alternativa às energias fósseis, obtidas com a queima de carvão, petróleo e gás, que liberam grandes quantidades de dióxido de carbono. Tal recomendação está contida na terceira edição do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, aprovado em Bangcoc, por delegados de mais de 120 países. Este, seguramente, será o caminho que os países da União Européia irão trilhar objetivando a substituição do carbono nas suas matrizes energéticas. Há, ainda, que se indagar sobre o destino do lixo das termonucleares, maior problema para operá-las. Sobre isto, parece haver consenso de que já existem tecnologias seguras para seu armazenamento.

As outras fontes alternativas - eólica, solar e biomassa -, embora devam ser consideradas, não representam uma solução factível, a médio prazo, para suprir as urgentes necessidades do Brasil, que precisa, a cada ano, de 4 a 5 mil MW adicionais, o equivalente a uma hidrelétrica do porte de Xingó. Isto dá uma idéia clara da crise de energia elétrica que se avizinha. Portanto, é urgente que se faça uma avaliação tempestiva do problema e se adotem outras fontes complementares à hidráulica, a exemplo da nuclear.

Cabe, por último, questionar o atual modelo baseado nos leilões de energia que, convenhamos, não têm atraído o investimento privado para o setor elétrico. Há que se reavaliá-lo, ao mesmo tempo em que será imprescindível o estabelecimento de marcos regulatórios confiáveis e uma menor intervenção estatal a fim de que o setor privado eleve sua participação na geração de energia elétrica.

ALBANO FRANCO, deputado federal, foi presidente da CNI, senador e governador.