Título: O choque de civilizações que mudou a história de um continente
Autor:
Fonte: O Globo, 24/05/2007, O Mundo, p. 29

Colonização européia matou milhôes.

O descobrimento do homem europeu pelos nativos do continente americano foi um dos maiores choques entre civilizações da História. A visão espantosa do dia 12 de outubro de 1492 das três caravelas lideradas pelo genovês Cristóvão Colombo na costa da ilha de Hispaniola, no Caribe, mudaria para sempre a vida dos nativos americanos - vidas que muitas vezes se tornariam bem mais curtas do que seriam sem a chegada dos europeus.

A coincidência histórica de o desenvolvimento tecnológico das grandes navegações transoceânicas ter ocorrido no período em que os espanhóis completavam a Reconquista - a retomada do sul da Península Ibérica de senhores feudais islâmicos -, expulsando da Europa os não-cristãos marcou o processo de colonização desde seu início. A união da Espanha pelos "reis católicos", Isabela de Castela e Fernando de Aragão, colocou a religião cristã como pré-requisito para se considerar alguém inteiramente humano. Desta forma os mouros (muçulmanos habitantes da Espanha) sofreram um processo de desumanização, num ideário que foi expandido para a colonização do Novo Continente. Um dos primeiros atos de Colombo foi tentar escravizar alguns nativos.

Um dos momentos mais marcantes da colonização da América foi o encontro da expedição espanhola liderada por Hernán Cortés e os astecas. Cortés aliou-se a tribos inimigas do rei asteca Montezuma II, mas ainda assim foi recebido em Tenochtitlan, capital do mais sofisticado império americano, com presentes. Cortés viria a destruir a cidade e conquistar a região onde hoje está o México para a coroa espanhola - ou, numa expressão que era mais usada, para a Cristandade.

Líderes de expedições européias estavam mais bem armados, tinham cavalos (inexistentes até então na América) e treinamento militar superior. Mas, apesar de promoverem um sem-número de massacres durante batalhas em que mosquetes enfrentavam tacapes, o maior morticínio ocorreu devido às doenças trazidas pelos marinheiros europeus - sem imunidade, os índios morreram aos milhões. Grandes surtos de varíola (1525, 1558, 1589), tifo (1546), gripe (1558), difteria (1614) e sarampo (1618) mataram entre 80 e 120 milhões de pessoas. Armas, germes e aço. E uma profunda consciência religiosa, retratada nas missões de conversão em massa.