Título: Papa admite erros da colonização
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Fonte: O Globo, 24/05/2007, O Mundo, p. 29

Bento XVI ameniza discurso sobre evangelização de indígenas, após irritar líderes como Chávez

Dez dias depois de provocar polêmica e irritação entre líderes e indígenas latino-americanos ao afirmar - durante sua viagem ao Brasil - que a evangelização da América Latina "não representou uma alienação das culturas pré-colombianas, nem a imposição de uma cultura estranha", o Papa Bento XVI amenizou o discurso sobre o tema ontem no Vaticano. Falando para peregrinos na Praça de São Pedro, reconheceu que "crimes injustificáveis" foram cometidos na conquista européia da região, há cinco séculos. Bento XVI, porém, não pediu desculpas aos povos indígenas como queriam líderes como o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. O Papa voltou a elogiar a evangelização da região.

- Não é possível esquecer o sofrimento e as injustiças infligidas pelos colonizadores à população indígena, cujos direitos humanos fundamentais foram constantemente atropelados - disse o Pontífice

Apesar de reconhecer que houve violência na colonização, Bento XVI repetiu ontem palavras ditas no Brasil de que o catolicismo "moldou de forma favorável" a cultura da região nos últimos 500 anos:

- Apesar de não negligenciarmos as variadas injustiças e sofrimentos que acompanharam a colonização, o Novo Testamento expressou e continua expressando a identidade dos povos daquela região e proporciona inspiração para lidarmos com os desafios de nossa era globalizada.

As declarações de Bento XVI no Brasil ocorreram no dia 13 de maio, último dia de sua viagem ao país, durante a abertura da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, na Basílica de Aparecida, em São Paulo. O objetivo maior do discurso do Papa aos bispos era definir a linha de atuação missionária da Igreja na América Latina para a recuperação de fiéis.

Numa nova interpretação teológica, Bento XVI reconheceu, pela primeira vez, a complexidade religiosa da região e classificou a expressão de fé do continente como um mosaico de religiosidade popular, um "tesouro precioso" da Igreja na região.

Bento XVI irritou porém lideranças de países como Venezuela, Equador, Bolívia e Peru - onde grande parte da população é indígena - ao falar sobre o histórico da evangelização. O Papa afirmou inclusive que as populações nativas esperavam de "forma silenciosa a fé cristã trazida à América do Sul pelos colonizadores", e que ela os havia purificado.

Para muitos, as palavras do Papa foram contra à visão histórica predominante de que os espanhóis e os portugueses impuseram a conversão dos nativos, fazendo-os escolher entre a "cruz e a espada". Estima-se que milhões de indígenas tenham morrido no processo.

Um dos críticos mais ferrenhos das declarações de Bento XVI no Brasil foi Chávez, que acusou-o de ignorar o "holocausto pior do que o ocorrido durante a Segunda Guerra" que se seguiu à chegada de Cristóvão Colombo, em 1492. Chávez exigiu que o Papa se desculpasse pelas declarações.

Papa elogia fiéis leigos brasileiros

O vice-presidente da Bolívia, Alvaro Garcia Linera, disse que sentia falta da "generosidade e da compreensão" do antecessor de Bento XVI, João Paulo II.

- As palavras dele não foram repetidas pelo atual Papa - disse Linera, provavelmente referindo-se ao pedido de desculpas de João Paulo II, no Jubileu do ano 2000, em nome da Igreja Católica pelos abusos cometidos contra os indígenas.

Não é a primeira vez que o Papa é criticado por seus discursos. No ano passado, Bento XVI enfureceu muçulmanos com declarações sobre o Islã. Mais tarde, disse que se arrependera da dor que seus comentários provocaram porém - assim como agora - não pediu desculpas de forma direta.

Bento XVI falou por cerca de 17 minutos na Praça São Pedro sobre a sua viagem ao Brasil. Recordou ter pedido aos bispos brasileiros que tenham cuidado com o risco de "leituras reducionistas" do Evangelho, que podem transformá-lo num manifesto político.

- O Brasil é um grande país que guarda valores cristãos profundamente enraizados, mas vive também enormes problemas sociais e econômicos - afirmou o Pontífice. - A Igreja deve mobilizar todas as forças espirituais e morais das suas comunidades, buscando oportunas convergências com as outras energias saudáveis do país.

Entre os elementos positivos da Igreja brasileira, o Papa Bento XVI indicou a criatividade e a fecundidade, nas quais nascem novos movimentos e institutos de vida consagrada, além da dedicação dos fiéis leigos.

Outras controvérsias

Desde o início de seu papado, Bento XVI se vê no meio de polêmicas por conta de declarações suas. A seguir, as principais:

ISLÃ: Em setembro de 2006, num discurso na Alemanha, Bento XVI citou o imperador bizantino Manoel II Paleólogo (1350-1425): "Mostre-me o que Maomé trouxe que era novidade, e você encontrará apenas coisas más e desumanas, como a sua ordem para espalhar pela espada a fé que pregava". Os comentários foram considerados ofensivos ao Islã e geraram protestos em vários países. O Papa não desculpou-se diretamente, mas disse "lamentar" as reações e negou que tivesse a intenção de ofender o islamismo. Em dezembro, surpreendeu ao, durante uma visita à Turquia, orar voltado para Meca numa mesquita.

SEGUNDO CASAMENTO: Em março deste ano, Bento XVI divulgou a primeira exortação apostólica de seu pontificado, na qual manteve a proibição à comunhão a divorciados. No documento, Bento XVI classificou como "uma verdadeira chaga" o segundo casamento. "Trata-se de um problema pastoral espinhoso e complexo, uma verdadeira chaga do ambiente social contemporâneo que vai, progressivamente, corroendo os próprios ambientes católicos", disse o documento, que foi divulgado inicialmente com "praga" no lugar de "chaga" - depois percebeu-se que devido a erros de tradução.

EXCOMUNHÃO: No início deste mês, ainda no avião antes de chegar ao Brasil, Bento XVI fez as mais duras declarações sobre o aborto de seu pontificado e defendeu a ameaça de excomunhão de políticos que votaram a favor da liberação da prática na Cidade do México, feita por bispos locais. Para o Papa, "essa excomunhão não foi arbitrária, está prevista pela lei canônica, que diz que matar uma criança inocente não é compatível com receber a comunhão, que é receber o corpo de Cristo". Uma vez no Brasil, foi mais diplomático ao condenar o aborto.

'Não é possível esquecer o sofrimento e as injustiças infligidas pelos colonizadores à população indígena'

PAPA BENTO XVI