Título: Estado policial
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 25/05/2007, O Globo, p. 2

Coube ao ministro do STF Gilmar Mendes apontar a coisa e nomeá-la: "Não podemos permitir a instalação de um estado policial no país". Embora perplexos e assustados com os "excessos da Polícia Federal", os políticos, à exceção do senador Jarbas Vasconcelos, vinham engolindo suas críticas por receio das conseqüências: criticar a PF podia acabar parecendo coisa de corrupto.

Pois de 2005 para cá, instalado o espancamento moral dos que se envolveram no escândalo do valerioduto, nada passou a aterrorizar mais um político ou ocupante de cargo público do que a hipótese de uma queda no desvão dos corruptos e transgressores da ética. Isso é bom, desde que não vire ideologia.

Antes ainda da Operação Navalha, que espalhou chumbo sobre diferentes grupos e partidos políticos, Jarbas foi à tribuna criticar os abusos cometidos nas operações Hurricane/Têmis. Ontem ele reiterou suas críticas, acompanhado, na oposição, pelo líder tucano Arthur Virgílio. Talvez se equivoquem num ponto: quando afirmam que a PF poupa políticos do PT e do governo. Pois embora tenha o PMDB, o DEM e o PSDB, a operação pegou também petistas. E nada pode ser mais danoso para um governo do que a demissão de um ministro sob a acusação de ter recebido propina. Os "excessos" parecem ter como alvo toda a elite política. E como, por pior que ela seja, não se faz política sem ela, o próprio sistema representativo é atingido. Os líderes governistas também reclamaram muito ontem com Lula. José Múcio, líder do governo na Câmara, teria perguntado ao ministro Tarso Genro: "Todos nós estamos grampeados?", sem obter qualquer garantia.

Mas tudo isso começou depois que Gilmar Mendes, com destemor, deu todos os nomes à coisa. É mesmo uma canalhice, como disse ele, vazar informações de inquérito que está sob segredo de Justiça. E mais ainda, como retaliação a um ministro da mais alta corte que mandara soltar alguns dos presos pela PF.

- Quando se atemoriza juiz, temos o terrorismo policial se instalando. Isso é bom para a democracia? Hoje é com um cidadão qualquer, amanhã pode ser com sua mãe - desabafou Gilmar, que ontem recebeu a solidariedade de outros três ministros do STF.

Ele taxou também de canalhice o recurso da PF ao "off" - informação passada sob anonimato, no jargão jornalístico - para vazar informações. O "off" sustenta todo o noticiário: o que se lê nos jornais é que "relatórios e gravações" que compõem a Operação Navalha estariam indicando isso ou aquilo. Foi em "off" que a PF vazou a informação de que haveria alguém com seu nome na lista dos agraciados como mimos pela construtora Gautama. Pior ainda, pela evidência de que a PF sabia tratar-se de homônimo: o nome do meio é diferente.

Para Gilmar, a intimidação de juízes pode estar funcionando em outras instâncias. Diz-se em Brasília, por sinal, que a PF pediu autorização ao STJ para as prisões (e não ao STF) por saber que ali, depois do caso da venda de sentenças ninguém diria não à PF.