Título: 'De repente, a terra abriu', diz moradora sobre obra
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Fonte: O Globo, 25/05/2007, O País, p. 3

Área abandonada pela Gautama, na periferia de Maceió, sofre deslizamentos, obrigando os moradores a deixarem suas casas.

MACEIÓ. Seis dias após a deflagração da Operação Navalha, um deslizamento de terra ocorrido na noite de anteontem num canteiro de obras abandonado da Gautama abriu uma cratera, com cerca de 50 metros de profundidade, num bairro pobre da periferia de Maceió. Por pouco, as casas situadas na encosta não desabaram. Duas delas estão a menos de dois metros da ribanceira. Uma dona-de-casa, de 60 anos, foi tragada pelo imenso buraco e despencou de uma altura de 20 metros. Milagrosamente, nada sofreu. Aparentemente, o abandono das escavações feitas pela Gautama provocou a erosão do terreno, mas apenas amanhã, dois dias depois do incidente, técnicos do governo do estado farão uma inspeção no local.

Moradores disseram que desde que a obra de macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins foi paralisada por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), que apontou diversas irregularidades, pequenos deslizamentos acontecem em períodos de chuva. Ontem, sem qualquer auxílio, moradores da encosta passaram o dia retirando tudo das casas. Eles dormiram em casas de parentes e amigos. Nenhum representante da empreiteira esteve no local.

A dona-de-casa Maria Petrúcia da Silva, que despencou junto com o deslizamento de terra, voltou ao local. Ela contou que observava a encosta quando foi surpreendida.

- Eu e mais umas seis pessoas fomos ver o que estava acontecendo e, de repente, a terra abriu. Não me lembro de nada, só de pensar nas minhas netinhas.

O deslizamento cobriu a tubulação de três metros de diâmetro. A única indicação de que ali existia uma obra era o esqueleto de uma betoneira abandonada. Os operários da empresa deixaram o bairro de Benedito Bentes em julho de 2005, quando uma inspeção do TCU constatou, entre outras irregularidades, superfaturamento de mais de R$15 milhões. Pela obra, a Gautama fechou um contrato de R$48 milhões com o governo de Alagoas.

Até ser suspensa, a construção se arrastou por oito anos. A licitação vencida pela empresa, também posta sob suspeita, foi realizada quando a Secretaria estadual de Infra-estrutura era comandada pelo deputado Olavo Calheiros (PMDB). Cinco servidores da mesma secretaria foram presos semana passada na Operação Navalha, suspeitos de receberem propina para negociar pagamentos indevidos à Gautama. Entre eles está o atual secretário, Adeilson Bezerra, acusado de receber R$145 mil de Zuleido Veras, dono da empresa.

O faxineiro desempregado Luciano dos Santos Gomes, de 27 anos, é um dos moradores que deixaram as casas. Sem saber para onde iria, disse ter certeza de que não voltará mais ao local:

- Não dá para dormir aqui. Pequenos deslizamentos sempre ocorreram nas chuvas, mas ontem (anteontem) foi demais.

Hoje, técnicos da Defesa Civil e do Conselho de Engenharia e Arquitetura (Crea) farão uma vistoria no local do deslizamento. O secretário de Planejamento, Sérgio Moreira, disse que o governo fará uma obra emergencial de contenção da encosta.

O governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB), anunciou que todos os repasses à empresa estão suspensos até que seja concluída uma auditoria interna, com prazo de 30 dias. Segundo ele, se forem comprovadas as fraudes, os contratos poderão ser cancelados.