Título: Procuradores querem usar decisões do exterior para driblar Lei da Anistia
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 25/05/2007, O País, p. 11

Jurisprudência internacional poderá ser usada para crimes da ditadura.

SÃO PAULO. Procuradores da República reunidos em São Paulo defenderam ontem o uso de decisões de cortes internacionais para driblar a Lei da Anistia e punir os responsáveis por crimes cometidos durante a ditadura militar no Brasil. Uma das idéias é aplicar o princípio utilizado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para obrigar o Peru a punir os responsáveis pelo caso Barrios Altos, em 2001.

Na época, a CIDH considerou inconstitucional a aplicação de leis de anistia feitas pelos próprios integrantes do poder público. Para os procuradores, o precedente vale no Brasil.

- Um dos objetivos do debate é discutir a validade da Lei de Anistia de 1979, saber se ela abrangeu os crimes cometidos pelos agentes do Estado em face de uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que diz que é inconstitucional o próprio controlador do direito fundamental se conceder anistia. Queremos saber se essa decisão pode ter repercussões no caso brasileiro - disse o procurador Marlon Weichert, responsável pelo inquérito sobre as ossadas de Perus, em São Paulo.

Segundo o procurador Pedro Taques, a Constituição (promulgada nove anos depois da Lei da Anistia) abre espaço para a utilização de jurisprudência internacional na punição aos crimes cometidos durante a ditadura:

- A Constituição de 88 inaugurou um status constitucional cooperativo. Nós hoje não podemos mais falar somente em direito interno, mas sim em direito interno corroborado pelo direito internacional. Pensamos que a jurisprudência das cortes internacionais deve ser aplicada no direito interno. O MPF vai defender essa posição.

Os procuradores estão reunidos no Debate Sul-Americano sobre Verdade e Responsabilidade em Crimes Contra os Direitos Humanos, realizado na Procuradoria Regional da República de São Paulo. Participam também magistrados, professores e especialistas internacionais.

Outros pontos a serem debatidos são a prescrição dos crimes cometidos na ditadura e a abertura dos arquivos pelo governo federal. A legislação brasileira define que o prazo máximo de prescrição é de 20 anos. Assim, os crimes cometidos nos anos 60 e 70 estariam prescritos. Os procuradores defendem a tese de que o prazo de prescrição fica suspenso enquanto os arquivos não forem abertos.

- A discussão que se coloca no Tribunal Penal Internacional é a existência de crimes imprescritíveis, e saber se a não abertura dos arquivos seria causa interruptiva ou suspensiva desse prazo, já que impede a investigação pelo Ministério Público - disse Weichert.

Especialistas internacionais disseram que o Brasil está muito atrasado em relação a outros países da América do Sul que passaram por ditaduras, como Argentina, Chile e Peru. E criticaram o fato de o governo dar indenizações às vítimas, mas proibir a abertura dos arquivos.