Título: Emprego importado da China
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 25/05/2007, Economia, p. 23

Brasil gera mais vagas do que perde no comércio com chineses. Mas ameaça é crescente.

Mesmo com a invasão de produtos chineses em lojas, supermercados e, principalmente, nos insumos usados pela indústria nacional, o Brasil ainda sai ganhando quando o quesito é o emprego gerado pelo comércio com a China. Pesquisa da economista Marta Reis Castilho, da UFF, constatou que as exportações brasileiras para a China criaram, em 2005, cerca de 560 mil empregos. Por outro lado, as importações chinesas ameaçaram 237 mil postos de trabalho aqui - ou seja, o saldo de emprego ainda é positivo em 322 mil.

O número, à primeira vista favorável, esconde uma pauta de exportações brasileiras muito concentrada em produtos de baixo valor agregado, como commodities agrícolas e minério de ferro, intensivos em mão-de-obra pouco qualificada. Dos 560 mil empregos gerados pelas vendas à China, 396 mil, ou 71%, foram para trabalhadores que sequer completaram o ensino fundamental. E, assim como as importações chinesas, cresce a passos largos o total de empregos ameaçados aqui, sobretudo nas vagas de maior qualificação.

Trabalho qualificado pode perder espaço

Em artigo que será publicado na "Revista Brasileira de Comércio Exterior", Marta Castilho mostra que, na média de 2000 e 2001, o saldo de empregos nas trocas comerciais com a China era de 85 mil. Em 2003, foram 379 mil. De lá para cá, houve queda, chegando a 322 mil em 2005 (último ano para os quais há estatísticas disponíveis). Marta lembra que, depois de registrar um superávit comercial de US$1,48 bilhão com a China em 2005, o Brasil viu esse saldo cair para US$410 milhões no ano passado e, este ano, deve registrar déficit.

- Estamos importando cada vez mais bens sofisticados da China. A ameaça chinesa é crescentemente maior para os trabalhadores mais qualificados - explica Marta.

Nas indústrias têxtil, de vestuário e calçadista, muito intensivas em mão-de-obra, a China responde por mais de um quinto da ameaça de corte de empregos provocada pelas importações. Ao mesmo tempo, as vendas de minério de ferro para a China geram 20% do total de empregos criados pelas exportações deste setor para todo o mundo.

Na agropecuária, a parcela chega a 9,8%. Porém, Marta ressalva que, por uma questão metodológica, só é possível estimar o emprego com base em dados agregados de todo o setor.

- Mas quem exporta para a China é o grande produtor de soja, mecanizado, que emprega menos. Então, o impacto no emprego agrícola pode estar superestimado.

No caso da indústria têxtil, a pesquisa de Marta só confirmou o que as empresas já sentem desde o ano passado. Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Abit, associação que reúne o setor têxtil e de confecções, afirma que foram fechados cem mil postos de trabalho em 2006. Este ano, o número de vagas extintas no setor pode superar 200 mil.

- A indústria têxtil e de confecções brasileira é a sétima maior do mundo e emprega 1,6 milhão de pessoas. Não temos medo da concorrência chinesa. O que nos ameaça é a assimetria nessa concorrência: a forte apreciação do real, uma carga tributária que é o dobro da chinesa, a falta de acordos preferenciais do Brasil com EUA e União Européia e indícios de ilegalidade em parte das importações - diz Pimentel.

A Abicalçados, que reúne a indústria calçadista, viu as exportações do setor encolherem 5% em 2006. Segundo o diretor-executivo da entidade, Heitor Klein, a indústria sofre mais com a concorrência chinesa em terceiros mercados do que com as importações da China. Em 1993, o Brasil respondia por 13% do mercado de calçados dos EUA. Hoje, tem só 5%.

- A situação piorou porque o câmbio deixou de ser um elemento de compensação para a alta carga tributária e o pesado ônus trabalhista do Brasil - diz Klein.