Título: A contradição do senador
Autor: Vasconcelos, Adriana e Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 26/05/2007, O País, p. 3

MAIS UM ESCÂNDALO

Acusado de ter despesas pagas por lobista de empreiteira, Renan dá explicações confusas.

Ao fim de um dia de muitas reuniões com advogados e assessores, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), divulgou nota em que nega as denúncias veiculadas pela revista "Veja" de que ele tinha despesas pessoais pagas por um lobista da construtora Mendes Júnior, Cláudio Gontijo. Mas o senador não nega relações com o lobista da empreiteira nem comprova rendimentos suficientes para pagar despesas próprias e da mãe de uma filha dele que, segundo a denúncia, foram custeadas por Gontijo por cerca de dois anos.

Na declaração de bens que Renan encaminhou à Justiça Eleitoral em 2002, constam como seus patrimônios uma casa em Brasília, no Lago Sul; dois apartamentos, um em Maceió (AL) e outro em Brasília; e dois carros, um Toyota Hilux, de 2001, e um Mitsubishi, de 2002. Na relação, não estão incluídos os rendimentos do senador. À "Veja", Renan declarou que ao seu salário somam-se "rendimentos agropecuários". Ele fez a afirmação para justificar o fato de ter subsídio de R$12.700 como senador e pagar, à mãe de sua filha, R$16.500 por mês - R$12 mil de pensão e R$4.500 de aluguel. Não há, na declaração de renda do senador, porém, qualquer referência a empreendimentos no setor agropecuário.

Procurada pelo GLOBO, a assessoria de imprensa do senador não deu informações sobre o rendimento de Renan e argumentou que se trata de um assunto privado.

Entre as despesas que seriam pagas por Gontijo, segundo a reportagem, estariam o aluguel de um apartamento de quatro quartos em área nobre da capital federal, no valor de R$4.500, e uma pensão extrajudicial de R$12 mil paga à ex-apresentadora de televisão Mônica Veloso, com quem Renan tem uma filha de 3 anos.

Enquanto a denúncia movimentava o meio político, Renan participava, na tarde de ontem, de uma audiência de conciliação com Mônica, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, onde teriam chegado a um acordo sobre a pensão.

Segundo a revista, Mônica Veloso passava todo mês no escritório de Gontijo em Brasília para receber a pensão e o aluguel do imóvel onde morava. De acordo com a revista, "nos últimos anos, Gontijo, mais que um amigo, tem se apresentado no papel de mantenedor do senador".

Renan não apareceu em público. Em nota, não disse se tem ou não relações com Gontijo e considerou "maliciosa e intolerável" a dimensão dada pela imprensa às suas relações pessoais. E lamentou "ilações" sobre sua vida privada: "É intolerável que, de uma turbulência circunscrita à minha mais íntima privacidade, se queira extrair ilações desarrazoadas e conclusões perversas". Disse que nada tem a esconder e afirmou: "Nunca recebi qualquer recurso ilícito ou clandestino de qualquer empresa ou empresário".

A reportagem afirma que o executivo era doador de campanha: "O lobista (Gontijo) ajuda nas campanhas do senador Renan Calheiros e nas de sua família. Já ajudou o próprio senador, seu filho (o prefeito de Murici, Renan Filho) e seu irmão (o deputado Olavo Calheiros)".

Diz ainda a revista que despesas da campanha de Renan em 1990 teriam sido custeadas pelo dono da empreiteira Gautama, Zuleido Veras, identificado pela Polícia Federal como mentor do esquema de fraudes em licitações públicas desvendado pela Operação Navalha. E que foi a partir desta campanha que Renan tornou-se amigo de Zuleido. Ao falar das doações de Zuleido, a reportagem sugere que eram ilegais: "Em 1990, o empreiteiro bancou sorrateiramente a campanha do senador ao governo de Alagoas e, embora tenha terminado em derrota, a eleição serviu como marco de uma amizade sólida. Sólida mesmo, a ponto de o empreiteiro freqüentar a residência oficial do presidente do Senado".

Lobista pagaria também um flat para o senador

Na nota em que apresentou sua defesa, Renan salientou que todas as doações recebidas em eleições foram feitas em "absoluta conformidade com a lei e constaram das respectivas prestações de contas".

Segundo a reportagem, o lobista Cláudio Gontijo arcaria ainda com os custos de um flat (número 2.018) no Hotel Blue Tree, em Brasília, que seria usado por Renan Calheiros para compromissos que exijam discrição. Na nota, o senador também se refere diretamente a essa denúncia.

A revista afirma ainda que: "Todos os meses, a jornalista (Mônica) ia ao escritório da Mendes Júnior, no 11º andar do Edifício OAB, situado na Asa Sul, onde pegava um envelope branco, timbrado, com o endereço, os telefones e o nome de Cláudio Gontijo. O envelope era identificado com suas iniciais - MV. Dentro havia sempre R$16.500. Era o aluguel mais a pensão de R$12.000 para a criança".

À "Veja", Gontijo disse ser amigo de Renan, mas que não vai à sua casa desde que se tornou presidente do Senado. Admitiu que "entregava dinheiro para quitar as despesas de Mônica Veloso", mas negou que o dinheiro fosse dele ou da empreiteira: "Só posso dizer que não era meu".

Ao longo do dia, Renan falou por telefone com colegas do Senado, preocupados com a repercussão negativa das denúncias, como o líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM), a quem antecipou suas explicações. O líder do PDT, senador Jefferson Peres (AM), considerou que os esclarecimentos prestados não foram suficientes.

- Sobre esse relacionamento do presidente do Senado com um lobista, é preciso ser mais bem esclarecido, e espero que Renan faça isso - disse Peres. - Caso permaneça alguma dúvida, o Conselho de Ética terá de discutir o que deverá ser feito em relação a Renan.

O Conselho elegeu seus novos integrantes em 6 de março, mas não foi instalado.