Título: Todo poder ao consumidor
Autor: Duarte, Patrícia e Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 26/05/2007, Economia, p. 33

Cenário atual, de juros e dólar em queda, eleva salário real e aumenta oferta de crédito.

Há pelo menos 20 anos, o brasileiro não vive uma situação tão boa quando o objetivo é consumir, segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO. O cenário de juros e câmbio em queda estimula o aumento da oferta de crédito e dos salários reais pagos, dando uma injeção de ânimo ao poder de compra dos trabalhadores. Essa conjuntura - que tem produzido resultados positivos já nos últimos 12 meses - deve resultar em mais ganhos a médio prazo, agora que o Banco Central (BC) deu indicações de que retomará uma política monetária mais agressiva.

Como mostra estudo do Ibmec-São Paulo, os cortes na taxa de juros acabam fortalecendo o real frente ao dólar, ao contrário do que normalmente se imagina. A queda da Selic demonstra solidez de indicadores - e, portanto, dissipa qualquer dúvida sobre iminência de crise - e economiza recursos para pagamento do serviço da dívida pública, o que é bem visto pelos investidores, pois significa capacidade de honrar compromissos.

O economista Marcelo Moura, um dos autores do estudo do Ibmec, conclui que o impacto da redução consistente dos juros tem levado à queda do risco-país, hoje fixado no patamar mínimo histórico. E, como esse indicador é o balizador das decisões de investimento dos estrangeiros, essa conjuntura acaba favorecendo a entrada de recursos no Brasil, o que, por sua vez, enfraquece o dólar, cuja perspectiva é que sua cotação se mantenha na casa dos R$2 até o fim do ano.

Com a moeda americana valendo menos, os preços podem cair mais, devido à alta no volume importado. É o caso sobretudo de itens como alimentos e eletrodomésticos. Mas, se o câmbio se mantiver em patamares baixos por mais tempo, o efeito pode se estender à gasolina e às tarifas de energia, pois o dólar afeta os cálculos desses preços.

Inflação cada vez menor significa salário valendo mais no fim do mês, diz o economista Vladimir Caramaschi, da Fator Corretora. Também facilita os investimentos em modernização (compra de novas máquinas e equipamentos), o que aumenta a competitividade, a produção e a competição no mercado doméstico. Combinados, esses efeitos abrem espaço para a geração de novas vagas - o Ministério do Trabalho já estima criação recorde de postos com carteira, acima de 1,5 milhão de empregos - e crescimento da massa salarial.

Por isso, Moura afirma, com a concordância de Caramaschi e de Juan Jensen, da Tendências Consultoria:

- Esse é o melhor dos mundos para os consumidores.

Moura lembra que os próprios estrangeiros não vêem mais o Brasil apenas como boa oportunidade de retorno financeiro, mas também como bom investimento produtivo.

Vendas no varejo devem crescer 6%

Caramaschi destaca ainda que os eventos recentes demonstram que o atual momento reforça a sensação de que a economia brasileira está se tornando cada vez mais previsível. Esse pano de fundo favorece as operações de crédito, tanto em termos do volume de recursos destinado pelos bancos - que passam a ganhar menos com a ciranda financeira - quanto pelos prazos mais longos. A Associação Nacional de Executivos de Finanças (Anefac) estima que todas as modalidades de crédito terão os juros reduzidos até dezembro, permitindo uma expansão de 25% no volume de empréstimos, cujo estoque subiria para R$916 bilhões (38% do PIB).

Não é à toa que, para o comércio, o momento é especial. O economista da Associação Comercial de São Paulo Marcel Solimeo lembra que, apenas em 1986, durante o Plano Cruzado, o brasileiro pôde comprar nessas condições. Mas o cenário da época era muito frágil e artificial, controlado pelo governo. Não passava previsibilidade e não estimulava as empresas a investir e contratar. A festa daqueles tempos durou menos de um ano.

- Agora, é a força de mercado que faz isso. Dá mais consistência e será duradouro - afirma Solimeo.

Nas contas dele, as vendas do varejo vão continuar se expandindo cerca de 6% ao ano, mais até que a variação do PIB, que deve ficar acima dos 4% em 2007.

As boas perspectivas que se criaram após a valorização do real reforçam uma retrospectiva positiva dos indicadores nos últimos dois anos. A expectativa é que a entrada de dólares continue forte, sobretudo pela balança comercial. O mercado já aposta que o dólar encerrará o ano entre R$1,90 e R$2, sem recuperação aguda em 2008 (R$2,05).

O impacto sobre a inflação é imediato. As projeções para 2007 estão em 3,60% pelo IPCA. Em janeiro, estavam em 4% - para uma meta oficial de 4,5%. Um dos benefícios será mais uma temporada de recorde nos reajustes salariais acima da inflação.

Esse patamar de variação dos preços abre espaço para quedas consistentes dos juros. Desde setembro de 2005, a taxa básica já recuou 7,25 pontos percentuais, para 12,5% - e o mercado estima que fechará dezembro a 10,75%.

O resultado da flexibilização dos juros foi o aumento de 20% ao ano no volume de crédito e a queda dos juros médios cobrados do consumidor, que passaram de 59,3%, em dezembro de 2005, para 49,9% ao ano em março.

O inimigo desse céu de brigadeiro, apontam os especialistas, é uma crise no mercado externo que deixe os investidores avessos a risco ou retraia o comércio mundial.

- Mas as chances de acontecer algo negativo são mínimas - avalia Juan Jensen, da Tendências.

Os consumidores comemoram, mas preferem ficar atentos. Apaixonado por queijos e vinhos importados, o dentista Eugênio Oliveira teme que a queda do dólar em relação ao real seja incorporada à margem de lucro dos comerciantes, em vez de ser repassada aos preços finais. Pelo menos até o momento, Oliveira não viu diferença nos valores dos produtos que costuma comprar.

- Claro que, nos últimos anos, ficou mais fácil comprar importados. Antes, o mercado era fechado. Só espero que nós, consumidores, continuemos sendo beneficiados.

Dona de uma loja de importados de Brasília, Ana Lúcia Alasmar acredita que o impacto do câmbio seja sentido em até três meses, quando seus fornecedores repassarão a queda do dólar aos preços. E afirma que o consumidor será beneficiado:

- Não há como não repassarmos para os preços a queda do dólar. O mercado de importados é cada vez mais competitivo.

A dona de casa Ieda Bazen garante que já sente no bolso os efeitos do cenário atual. Seu poder de compra, diz, aumentou. Ela, no entanto, evita comprar a prazo:

- Compro à vista e posso dizer que não me preocupo com juros.