Título: Demonstração de força em Caracas
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Fonte: O Globo, 26/05/2007, O Mundo, p. 38

Chávez põe tanques nas ruas às vésperas de fechamento de emissora de TV.

CARACAS

Acapital venezuelana permaneceu o dia de ontem fortemente militarizada - com dezenas de veículos da Guarda Nacional (polícia militarizada) em suas ruas e recém-adquiridos aviões de guerra sobrevoando-as - numa clara demonstração de força do governo de Hugo Chávez às vésperas da anunciada não renovação da licença da Radio Caracas Televisión (RCTV). Centenas de partidários do presidente fizeram manifestações de apoio à decisão, que interromperá a programação da mais antiga TV venezuelana a 0h de segunda-feira. Mas as ruas também foram ocupadas por centenas de estudantes e defensores da liberdade de expressão, que prometeram mais manifestações contra o governo até domingo. Os protestos de ontem ocorreram de forma pacífica, e Chávez afirmou que a decisão contra a RCTV é "irreversível". Vestido com uniforme militar, em rede nacional de rádio e TV, o presidente conclamou os defensores de seu governo a tomarem as ruas e a ficarem "alertas perante qualquer fator desestabilizador".

- Se a oligarquia venezuelana tentar novamente atacar o governo e o povo, terá a mais contundente das respostas. Se nos obrigarem, ficaremos todos de joelhos, soldados e povo, dizendo: pátria, socialismo ou morte, venceremos! - esbravejou.

A forte militarização da capital reflete um temor do governo de que a oposição tente usar o caso da RCTV - emissora de oposição, acusada por Chávez de ser golpista e manipuladora - a seu favor. O ministro da Defesa, Raul Baduel, não justificou a presença de tanques e comboios da Guarda Nacional nas ruas de Caracas, mas acusou os opositores de Chávez de "espalhar a incerteza e ir contra a maioria dos venezuelanos", que segundo ele apóiam o governo.

Mercosul rejeita pedido da Venezuela

Pesquisas, no entanto, mostram que 75% dos venezuelanos são contrários ao fechamento da RCTV - cuja programação se divide entre entretenimento (novelas e programas de auditório) e jornalismo, com três telejornais diários, e muitas reportagens críticas ao governo Chávez. A TV funciona há 53 anos e é um ícone da cultura da Venezuela - país cujas telenovelas são extremamente populares e consistem num dos maiores produtos de exportação do país, juntamente com o petróleo. A popularidade de Chávez, no entanto, segundo as mesmas pesquisas, continua inabalada, na casa dos 60% de aprovação.

Se mais protestos contra e a favor da decisão do governo são esperados até amanhã, o clima entre os quase três mil funcionários da RCTV era de apreensão ontem. A emissora poderia continuar funcionando como um canal a cabo, mas cortes em seu quadro são previstos, apesar de sua direção dizer o contrário. A atual freqüência, na TV aberta, canal 2, será substituída por uma nova estação chamada Televisora Venezolana Social (Teves). O governo Chávez diz que a nova rede será um serviço de benefício público e fora do controle dos setores "oligárquicos" da Venezuela - com programação ajustada às leis e sem os "conteúdos de violência e sexo" da RCTV.

- Nosso futuro é incerto e me sinto muito mal por isso, é tudo muito difícil - disse Alejandro Natera, técnico que trabalha na emissora há 22 anos.

O diretor do canal, Marcel Granier, negou novamente o argumento oficial de que a licença expira no domingo. Segundo documentos apresentados por ele, a RCTV tinha o direito de operar até 2022, e a decisão de Chávez é inconstitucional.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) voltou a pedir que Hugo Chávez "proteja a liberdade de expressão como parte do pluralismo de uma sociedade democrática". A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), com sede em Miami, avisou que uma comissão do órgão chega hoje à Venezuela, com o objetivo de "mostrar sua solidariedade à RCTV". "Consideramos a revocatória da licença da emissora uma represália contra uma voz crítica ao governo", disse a organização, em nota.

A decisão do presidente venezuelano foi condenada por várias instituições internacionais, pelo Senado americano e pelo Parlamento Europeu. Chávez ironizou:

- Me falta até ar!

Ontem, diplomatas que participaram da recente reunião do Mercosul no Paraguai contaram terem rejeitado uma solicitação do governo venezuelano para apoiarem - numa resolução - a decisão de Chávez de não renovar a concessão da emissora. As fontes afirmaram que Uruguai e Paraguai bloquearam o pedido, e Brasil e Argentina não se pronunciaram sobre a proposta que, para ser aprovada, teria que ter votação unânime.