Título: Suicídio coletivo
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 27/05/2007, O Globo, p. 2

As ocorrências desta semana vão definir a evolução da conjuntura, ainda hesitante entre febre e convulsão. Se a CPI das empreiteiras sair, o cenário será de chuva e trovoada. Se ela for evitada, soprará uma brisa. Governo e oposição, ardendo no mesmo braseiro, não têm interesse nela. Se o senador Renan Calheiros obtiver a indulgência de seus pares, boa parte avessa à exposição da privacidade, a coalizão governista se une e se sustenta. Se ele descer aos infernos, tudo pode acontecer.

Na coalizão, há dois tipos de percepção sobre os acontecimentos em curso. Os paranóicos, entre os quais se inclui o próprio Renan, suspeitam de que tudo começou com um fogo amigo que se alastrou. Outros acham que é tudo obra de forças antagônicas, anti-lulistas, mas não necessariamente da oposição partidária, buscando explodir a coalizão montada por Lula. A líder petista Ideli Salvatti tem essa convicção:

- Isso está muito claro. Com a economia indo bem e o PAC prometendo, partiram para a desestabilização da coalizão.

Mas, como disse o próprio Lula na sexta-feira, a Polícia Federal só molesta quem dá motivos. Se os detonadores da coalizão existem, agiram porque encontraram o campo minado.

Entre terça e quarta-feira, a unidade da base governista no Senado será testada no limite. Na quarta, a situação de Renan Calheiros define-se bastante com a reunião do Conselho de Ética, convocado na sexta-feira pelo corregedor Romeu Tuma. Não há muitas razões para se acreditar na abertura de processo para apurar as denúncias da revista "Veja", de que ele teve contas pagas por um lobista de empreiteira. Primeiro, porque Renan tem bom trânsito com todas as bancadas, inclusive as da oposição. Na sexta-feira, ele ligou para os líderes de todos os partidos, informando-os do teor da nota em que contestou as denúncias. Depois, a solidariedade governista deve funcionar.

O receio de uma rebelião no PMDB, deixando o governo a ver navios no Senado, cresceu a partir de quinta-feira, quando Renan entrou no plenário de braços dados com o líder do PSDB, Arthur Virgílio, garantindo-lhe a tribuna para atacar a Polícia Federal. E, por fim, o Conselho de Ética não gosta mesmo de fuzilar os pares. Até agora, só mandou um para a cassação, Luiz Estevão. Absolveu uma penca.

Um teste funcional da coalizão acontecerá, também entre terça e quarta-feira, na votação, em plenário, dos destaques pendentes, e importantes, da MP do PAC que cria o fundo de investimento em infra-estrutura com uso parcial de recursos do FGTS. É a última medida do PAC a ser votada, mas é crucial. Se a situação de Renan tiver se complicado, um PMDB ressentido pode negar fogo.

O requerimento da CPI mista das empreiteiras contava, na sexta-feira, com 29 assinaturas de senadores (contra 27 necessárias) e 153 dos 171 deputados necessários. Vai depender agora do controle do governo sobre seus aliados na Câmara. Se ela sair, e for investigar para valer a relação entre os políticos e as empreiteiras, vamos assistir a um ato de suicídio político coletivo. Alguém acredita nisso?