Título: O queijo suíço do Orçamento
Autor: Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 27/05/2007, O País, p. 3

Mesmo com sucessivos escândalos, brechas que facilitam desvios não foram fechadas.

Oescândalo da Operação Navalha pôs à mostra, mais uma vez, a relação promíscua entre políticos e empreiteiras que resulta, invariavelmente, em desvios de recursos dos cofres públicos. Passados 14 anos da CPI dos Anões, os ralos no Orçamento permanecem, a despeito das medidas adotadas pelo Congresso e pelo Executivo para estancá-los. Diante de mais um escândalo, o governo está finalizando um pacote de medidas para apertar o controle sobre o repasse de verbas a estados e municípios, e punir com mais rigor e rapidez servidores públicos envolvidos em fraudes.

Relatos de funcionários do alto escalão do governo, ouvidos pelo GLOBO, indicam que a barganha política para destinar verbas do Orçamento para empreiteiras e outras empresas do setor privado começa ainda no Executivo, meses antes de o Orçamento ser encaminhado ao Congresso.

A primeira chance de essas empresas carimbarem os recursos destinados a obras públicas acontece quando o ministério setorial prepara a sua proposta para encaminhar ao Ministério do Planejamento, entre maio e junho de cada ano. Nessa fase, começa a pressão dos parlamentares para ter suas demandas atendidas. O loteamento de cargos-chaves entre os partidos abre janelas e portas para dirigentes e líderes partidários e de bancadas, com grande poder no Congresso, terem seus pleitos atendidos.

Se uma obra de determinado estado é incluída na proposta de Orçamento pelo Executivo, aumentam consideravelmente as chances de execução. Enquanto isso, adverte um técnico graduado do governo que acompanha esse processo, lá na ponta pode estar sendo negociada uma comissão (propina) paga pela empreiteira que vai realizar o empreendimento ao político que viabilizou a obra.

A inclusão de emendas ao Orçamento é outra fase com campo fértil para as negociatas, observam técnicos que acompanham a tramitação no Congresso. Isso pode acontecer nas emendas individuais ou nas coletivas. No caso das emendas genéricas, as chamadas rachadinhas, o líder da bancada é que faz o rateio do recurso entre as obras indicadas pelos parlamentares daquele estado. Muitas vezes, cada pedaço da obra tem o carimbo de um parlamentar.

- No mínimo, a empreiteira que toca a obra vai assumir um compromisso de contribuição de campanha com esse político, mas em muitos casos a propina é paga de forma sistemática - afirma uma fonte do Executivo.

CGU vai criar site de monitoramento

O próprio governo estimula essas relações promíscuas entre parlamentares e empreiteiras ao nomear políticos para ocupar cargos-chaves no Executivo e na forma de executar o Orçamento, com o contingenciamento de recursos e posterior liberação das emendas de acordo com seus interesses no Congresso.

- Quando o governo contingencia o Orçamento, abre um mercado de corrupção e chantagem política - diz o economista Marcos Mendes, especialista em contas públicas e pesquisador do Instituto Fernando Braudel.

Mendes considera que é preciso e é possível melhorar o processo orçamentário em todas as etapas:

- O problema é a fixação das receitas de forma irrealista para acomodar as emendas, o que leva ao corte.

Ele defende mudança no processo licitatório, incluindo as obras públicas no sistema de pregões - utilizado para compra de bens e serviços. Mendes sugere aumentar as punições para os corruptos. Lembra que a lei eleitoral só torna um político inelegível se ele for condenado em última instância:

- Se aumentarem as punições aos corruptos e corruptores, as fraudes vão diminuir.

O ministro Jorge Hage, da Controladoria Geral da União (CGU), disse ao GLOBO que a minuta de um decreto presidencial já está na Casa Civil com algumas dessas medidas. Entre elas, a criação de um portal na internet com a identificação dos beneficiários das verbas repassadas a estados e municípios e o monitoramento dos repasses voluntários para estados, capitais e cidades com mais de 500 mil habitantes, por meio do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi).

Segundo o chefe da Coordenação Geral de Contabilidade da Secretaria do Tesouro, Paulo Henrique Feijó, o sistema de identificação dos beneficiários das transferências voluntárias do Orçamento está sendo montado com apoio da Caixa e do Banco do Brasil, que operam esses convênios. A medida está na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2007 por sugestão da CPI dos Sanguessugas.

O decreto presidencial vai determinar que as transferências de recursos a estados e municípios para obras sejam feitas só por meio de contratos de repasse. Assim, o recurso passará pela Caixa e só será liberado depois de medição prévia da instituição - na maior parte dos casos, hoje, a medição é feita por estados e municípios.

O decreto exigirá que o órgão federal responsável pelo convênio terá de indicar previamente como vai fiscalizá-lo. E vai fixar um prazo para que ministérios criem parâmetros de preços para todos os objetos de convênios. No caso de ambulâncias, o ministério poderá fixar um preço máximo ou fazer a compra centralizada.

Outras medidas do pacote serão encaminhadas ao Congresso, como mudanças na lei 8.112, que trata da improbidade administrativa, de forma a torná-la mais dura e abrangente. A lei não atinge funcionários de empresas públicas e agências reguladoras.

- Temos que fazer valer o poder punitivo da administração para que o Executivo não fique apenas reclamando da lentidão do Judiciário - afirma o ministro Jorge Hage.

Ele recebeu na semana passada uma comissão suprapartidária de parlamentares e indicou quais projetos o governo tem interesse em aprovar no Congresso. Hage cita a reforma do Código de Processo Penal.

- Hoje, com os recursos, não há processo que chegue ao fim. Um bom advogado consegue arrastar um processo por 20 anos, e os corruptos costumam ter bons advogados.

Para Hage, o escândalo da Navalha criou as condições políticas para se avançar nessas medidas:

- Fraudes não são surpresa, mas com a explicitação do nome e sobrenome dos envolvidos, a coisa passou do ponto.

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