Título: No STJ, uma 'baiana porreta' conduz o processo da Operação Navalha
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 27/05/2007, O País, p. 4
Severa contra a corrupção, Eliana Calmon é reservada e gosta de cozinhar.
BRASÍLIA. Desde que entrou no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 1999, a ministra que deu as ordens de prisão na Operação Navalha, da Polícia Federal, faz questão de deixar sua marca por onde passa. Como primeira mulher da Corte, foi também a primeira a participar de uma sessão usando calças compridas. A atitude serviu para liberar todas as mulheres da exigência de usar saia. No plenário, costuma defender com afinco seus pontos de vista, mesmo que seja a única com uma determinada tese. É descrita pelos colegas como "baiana porreta".
Nos últimos dias, essa baiana de 63 anos recebeu uma missão que a deixou no centro das atenções: conduzir o inquérito que investiga as fraudes reveladas pela Operação Navalha. Eliana decidiu colher pessoalmente os depoimentos dos suspeitos em vez de delegar a tarefa à PF, como é de praxe. A intensidade do trabalho mudou seu cotidiano. Terminados os depoimentos, ela nem pensa em descansar. Quer mergulhar ainda mais nas investigações para tentar dar uma resposta rápida à sociedade.
Apaixonada pela boa mesa, Eliana teve de abdicar desse prazer na semana passada por causa da rotina dos depoimentos. A ministra é cozinheira de mão cheia e já escreveu três livros de culinária.
- De modo geral, a mulher de hoje recusa a culinária por ser um símbolo secular da subserviência feminina. Mas as feministas, as intelectuais não se apercebem do quanto é prazeroso cultivar algo do nosso universo que continua a despertar a atenção e o interesse, tanto de homens quanto das próprias mulheres - disse a ministra na época do lançamento do livro.
Eliana é reservada e avessa a badalações. Prefere a companhia da família e não dispensa um bom filme no cinema. Ou no DVD. Canaliza as energias para o trabalho e acorda às 6h para fazer ginástica. Dorme pouco, e passa muitas horas no tribunal. Eliana é separada e tem um filho, já adulto, que é advogado. Mora sozinha num apartamento em Brasília, onde imagens do candomblé dividem o espaço com santos católicos.
Nas sessões do STJ, não foge de discussões acirradas e compra briga com quem tenta passar por cima de suas idéias. É considerada uma das mais atuantes e influentes na Corte. Certa vez, ouviu no plenário do tribunal o comentário controvertido de um colega. Tomou como um elogio.
- Ministra, vossa excelência vota como um homem!
Eliana costuma ser dura no julgamento de casos de corrupção e de desvio de dinheiro público. Em 2006, aceitou denúncia do Ministério Público contra o ex-presidente do Tribunal de Justiça de Rondônia, Sebastião Teixeira Chaves, e outras autoridades locais acusadas de corrupção. Determinou prisões de 24 autoridades.
Como se tratava de crime organizado, Eliana alegou que as prisões eram fundamentais para desarticular o esquema. Ela considerava esse o caso de maior repercussão que enfrentou recentemente. Até aparecer a Operação Navalha.
Nos depoimentos, perguntas que desconcertam suspeitos
O inquérito da Navalha tem gerado polêmicas. Na semana passada, o presidente interino do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, criticou a atuação de Eliana e disse que os pedidos de prisão assinados por ela foram mal fundamentados. A ministra ficou chateada, mas preferiu ficar em silêncio.
Mesmo cansada, a ministra desfilou tranqüilidade e firmeza na hora de interrogar os suspeitos. Com bom humor e uma fala informal, conseguiu criar um ambiente de confiança, que colaborou para convencer os presos a darem declarações importantes. Em um dos depoimentos, o interrogado arriscou:
- Estou indo bem, ministra?
- Claro, está indo muito bem - respondeu Eliana.
De supetão, a ministra fazia perguntas capazes de desconcertar o investigado. Com essa técnica, Eliana teria conseguido informações preciosas.