Título: Na terra dos Calheiros, dinheiro não falta
Autor: Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 27/05/2007, O País, p. 12

Murici, cidade administrada pelo filho do presidente do Senado, é alvo preferencial de emendas dos parlamentares da família

Alan Gripp

MACEIÓ. Berço político dos Calheiros, o pequeno município de Murici, a 50 quilômetros de Maceió, é uma amostra de que orçamento, em Alagoas, é assunto de família. Caçula da dinastia política mais poderosa hoje no estado, o prefeito do município, Renan Calheiros Filho, de 27 anos, mais conhecido como Renanzinho, vem contando com a ajuda de seu pai (o presidente do Senado, Renan Calheiros) e tios (Olavo e Renildo Calheiros) para dar um banho de loja anual na cidade.

De 2004, quando Renanzinho assumiu, até hoje, Renan pai, Olavo e Renildo já destinaram R$3,2 milhões ao município em suas emendas individuais, dos quais R$1,3 milhão já foi pago. Pouco, se comparado aos orçamentos de grande cidades, mas uma fortuna perto do que recebem do governo federal as cidades pobres de Alagoas.

Com a ajuda vinda de dentro de casa, os Calheiros se tornaram adversários imbatíveis em Murici, uma cidade de 22 mil habitantes que se transformou na porta de entrada da nova geração da família no mundo político. Renanzinho - que sucedeu a Remi Calheiros -, mesmo inexperiente, surfa hoje em águas calmas, sem ser ameaçado pela cada vez menor oposição e já se prepara para seguir carreira rumo a Maceió.

Aniversário da cidade tem maratona de inaugurações

A receita é infalível: o dinheiro é aplicado em obras, que ganham, literalmente, a marca da família. Os exemplos estão espalhados pela cidade. Nem os prosaicos bancos da tradicional pracinha de interior escaparam. Neles, foram talhadas as iniciais "RC". As letras foram marcadas durante a administração de Remi Calheiros, mas também servem aos outros três "erres" da família: Renan, Renildo e o caçula Renanzinho. Essa prática é condenada pela Justiça Eleitoral.

Mas assim, os Calheiros batizaram outros equipamentos públicos construídos ou reformados com recursos destinados pelos Calheiros. O ginásio poliesportivo chama-se Olavo Calheiros, em homenagem a um dos patriarcas da família, já morto. Seu filho, batizado com o mesmo nome, conseguiu, em 2005, liberar R$250 mil para a reforma completa do lugar. Outro exemplo: a sala de audiências do Fórum municipal chama-se ministro Renan Calheiros, referência ao período em que Renan foi ministro da Justiça, durante o governo Fernando Henrique.

No último dia 16, véspera da Operação Navalha, os Calheiros, em festa, comemoraram o aniversário de emancipação da cidade com uma maratona de inaugurações de fazer inveja a qualquer outro município alagoano. Fitas foram cortadas para casas populares, ruas asfaltadas, banheiros e até para uma pequena agência do Banco do Brasil.

- Eles já não perdiam eleição aqui, agora então... - comentou uma funcionária da Secretaria de Saúde.

Olavo: " Crime seria eu discriminar minha terra"

Perguntado sobre o suposto uso político do orçamento, Olavo Calheiros defendeu com unhas e dentes as emendas:

- Murici é o meu mundo, a cidade mais importante do universo. Crime seria eu discriminar minha terra - disse o deputado.

Renan Filho também defendeu os recursos destinados por seu pai e tios. E disse que a cidade depende deles para sobreviver.

- Olavo, por exemplo, sempre foi o deputado mais votado em Murici, por isso deve retribuir isso aos moradores. Eticamente, seria incorreto se ele não trabalhasse para o município - afirmou Renanzinho.

Sobre os nomes da família grafados nos bancos da praça, o prefeito disse que mandou retirá-los, mas admitiu que muitos ainda estão marcados pelas iniciais "RC":

- Alguns teriam que ser arrancados. Isso seria antieconômico.

Sob influência direta dos Calheiros, o município também tem tratamento especial nos convênios firmados pelo governo federal. De 1996 a 2007, Murici recebeu R$12 milhões, mais do que cinco cidades vizinhas (Branquinha, Capela, Flexeiras, Messias e Atalaia) juntas. No mesmo período, outra cidade vizinha, Rio Largo, recebeu R$4 milhões a menos do que Murici, mesmo tendo mais do que o triplo da população (67.889 habitantes).