Título: Grande empresa, grande poluidora
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 27/05/2007, Economia, p. 37

Dois terços das companhias não ajudam a reduzir efeito estufa.

OBrasil também tem suas verdades inconvenientes. A mais conhecida delas é o desmatamento da Amazônia, que coloca o país entre os cinco maiores poluidores do mundo. A menos conhecida é o fato de que 72% das grandes empresas nacionais não têm projetos para reduzir emissões de gás carbônico (CO), considerado um dos responsáveis pelo efeito estufa. O passivo ambiental também é um tabu: 71% das empresas não lançam essas informações no balanço, até porque não são obrigadas a fazê-lo. São omissões como essas que fazem 62% das maiores organizações não-governamentais (ONGs) do país considerarem insatisfatório o trabalho das grandes empresas.

Essas e outras verdades inconvenientes fazem parte do Anuário Gestão Ambiental, uma pesquisa alentada com 70 mil dados estatísticos espalhados por 300 páginas. Sua publicação está prevista para o fim do mês. Foram sete meses de pesquisa para publicar um dos mais completos raios-X do que vem ocorrendo no país, desde que a mudança do clima deixou de ser um mero jogo de palavras e foi comprovada por cientistas do mundo todo, com a chancela das Nações Unidas (ONU).

- Não é à toa que o Brasil é um grande poluidor - cutuca Káthia Vasconcellos, coordenadora-geral da Rede Mata Atlântica.

O desmatamento da Amazônia responde por 75% das emissões brasileiras, com as queimadas e mudanças no uso do solo, ainda que muitas iniciativas no Brasil afora venham ocorrendo, sobretudo no campo da energia, onde o cerco ao setor privado vem aumentando na mesma proporção que cresce a consciência sobre os efeitos do aquecimento global.

Sob a coordenação da Análise Editorial, uma empresa especializada em anuários, o trabalho levou pesquisadores a escarafunchar 412 empresas, dentre as 500 maiores do país. Somadas, elas faturam mais de R$900 bilhões, mas esse valor poderia ser ainda maior se 70 delas tivessem declarado sua receita líquida. Juntas, elas empregam 1,8 milhão de funcionários. Foram radiografadas também as práticas ambientais dos 13 maiores bancos, inclusive instituições de fomento como o BNDES, e 37 ONGs, além do depoimento de 142 procuradores.

Apesar de admitir que o investimento para redução das emissões ainda é pequeno, Silvana Quaglio, uma das coordenadoras da pesquisa, chama a atenção para a lista de notícias animadoras que divide espaço com as negativas. Entre as boas notícias está, por exemplo, o fato de que 49% das empresas já começaram a pesquisar tecnologia para reduzir as emissões atmosféricas - embora ainda não tenham tirado do papel seus projetos -, 59% possuem programas de plantio de árvores, 61% têm meta de redução do consumo de água e energia elétrica e 85% praticam a coleta seletiva de lixo.

- Ainda que seja surpreendente o reduzido número de empresas com projeto de redução das emissões no Brasil, é inegável que as empresas, em geral, estão mais adiantadas que os próprios governos na questão ambiental - avalia Gylvan Meira Filho, do Instituto de Economia Aplicada (IEA), da Universidade de São Paulo (USP). Ele foi um dos consultores do governo brasileiro nas negociações do Protocolo de Kioto, além de um dos autores da proposta de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).

Como o trabalho se concentrou na elite do empresariado nacional, suas conclusões não podem ser estendidas às milhões de empresas, de pequeno e médio portes, espalhadas pelo Brasil. Fica nítido no Anuário Gestão Ambiental que quem investe mais em pesquisa tem mais a perder. A conseqüência disso é que os segmentos empresariais que precisam investir mais na chamada variável ambiental também acabam se tornando os setores ambientalmente mais educados.

Indústria e agronegócio, por exemplo, investem mais em separação de lixo do que a área de serviço. Enquanto na agricultura e na indústria, a coleta seletiva beira os 90% de adesão, no setor serviço e no comércio, os índices ainda estão um pouco abaixo: 79% e 80%, respectivamente.

- O meio ambiente está despontando como uma nova e promissora atividade de negócios - avalia o diretor-superintendente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentado (FBDS), Walfredo Schindler.

Pouco a pouco, a qualidade do investimento na área ambiental vem mudando e é isso que o Anuário conseguiu captar. Afinal, quando uma empresa compra um extintor de incêndio, ela está apenas cumprindo a lei. Mas quando ela passa a trabalhar segundo as regras do mercado é porque alguma coisa está mudando.

- Num futuro não tão distante, conforme o tamanho do passivo ambiental, a empresa poderá vir a ter dificuldades até mesmo para contrair empréstimo bancário - alerta Silvana Quaglio, acrescentando que, ainda que não seja obrigatório, seria de bom tom que as empresas agissem nessa área. - É uma medida de governança corporativa.

APENAS 16% DAS ONGs DO PAÍS ATUAM NA AMAZÔNIA, na página 38