Título: Na sala de aula
Autor: Thomé, Debora
Fonte: O Globo, 27/05/2007, Economia, p. 38
No Brasil, hoje 1,2 milhão de alunos estão matriculados em universidades públicas, sejam federais, estaduais ou municipais. São homens e mulheres que, por pelo menos quatro anos - que é o tempo mínimo de duração de um curso tradicional -, têm sala de aula, espaço, bibliotecas (muitas excelentes), laboratórios e professores doutores financiados pelo governo. A contrapartida é alta: nessas universidades, é produzido conhecimento, moeda forte de um país. O maior problema: apenas poucos podem entrar nelas.
Os números costumam ilustrar bem algumas situações. Comecemos por eles: no Brasil, 55% dos estudantes de universidades públicas pertencem aos 20% da população de maior renda familiar; e apenas 7,9% dos alunos estão entre os 40% mais pobres. Se o argumento dos números não é convincente, tomemos o método de observação: é só visitar os estacionamentos das universidades públicas. As vagas para os carros são tão raras quanto os alunos que vêm de longe e têm que pegar três conduções.
A briga que está agora povoando corações e mentes nas universidades começou no início do ano, quando o governador José Serra deu sinais suspeitos quanto à autonomia das instituições de ensino. Um grupo decidiu tomar a reitoria da USP e lá está, agora com o apoio dos professores. Os alunos pedem melhorias nas condições de moradia estudantil, contratação de professores, mais investimentos em infra-estrutura e acusam o governo de estar limitando a autonomia universitária ao supostamente condicionar o remanejamento de verbas à autorização do governador.
As universidades são fundamentais para qualquer país, pois nelas é produzido conhecimento de ponta, indispensável para o desenvolvimento. Contudo, esse investimento tem um custo absoluto alto aos cofres públicos. No Brasil, muito mais que o próprio ensino fundamental. Um relatório divulgado em 2000 pela OCDE comparando gastos em educação de 32 países ricos e em desenvolvimento mostra que o Brasil é um dos que menos investe no ensino fundamental e dos que mais gasta com ensino superior. Aqui, um único universitário equivale ao que se gasta com 13 alunos do ensino fundamental. Na época, só o Paraguai tinha uma relação mais distorcida. A Espanha, por exemplo, gastava mais que o triplo que o Brasil com seus alunos do fundamental e menos da metade com os universitários.
A imensa maioria dos estudantes que chegam a cursar uma universidade é de classe alta ou média. Como podem pagar uma educação de qualidade, costumam alcançar os melhores lugares nas provas de vestibular e, com isso, é deles a vaga financiada pelos recursos públicos. Naturalmente, não apenas eles estudam em universidades públicas, há também um número significativo de alunos que não teriam condições de pagar a mensalidade de uma faculdade particular, mas, como já mostrado, esses são a minoria
Se o Brasil fosse um país do grupo dos ricos, talvez se pudessem garantir universidades gratuitas, com doutores, pesquisas e laboratórios, por todo o território. Mas isso não acontece. Ainda que tenhamos uma enorme carga tributária, os recursos são muito mal aplicados, e não sobram verbas para destinar a todos os objetivos. Assim sendo, algumas escolhas precisam ser feitas: o ensino básico, que é onde tudo começa, não pode ser abandonado.
Ao contrário do que dizem críticos da proposta de cobrar mensalidades dos alunos mais abastados, isso não significa, de maneira alguma, a privatização das universidades públicas. Elas têm um papel importante para o país, pois concentram a maior parte da pesquisa acadêmica e oferecem, com as devidas exceções, um ensino de melhor qualidade que o das redes privadas.
Isso também não significa que o governo deveria deixar de investir nessas instituições. É, no entanto, uma questão de justiça num país extremamente injusto, estabelecer que aqueles que têm condições de pagar pelo ensino superior o façam, seja em universidades públicas, ou em particulares. Um bom exemplo vem do Chile. Lá, os estudantes são divididos em três categorias: aqueles que são pobres e não pagam mensalidades no ensino superior; os que precisam de ajuda para pagar e recebem bolsas; e os que têm condições de arcar integralmente com os custos. Ninguém fica de fora por falta de recursos.
No Brasil não existe, sequer, a saudável prática americana de fazer doações à universidade quando se atinge um bom patamar financeiro. Aqui, o governo paga a nossa educação e não voltamos para dar nossa retribuição. Os poucos que tentam fazê-lo esbarraram na própria desinformação da universidade em relação a como receber os recursos. Há poucos mecanismos para isso.
Para crescer, o Brasil já aprendeu que precisará da educação. Assim aconteceu com todos os países que hoje passaram a nossa frente. Isso posto, teremos que escolher a forma. Continuar optando por um modelo que reproduz a desigualdade financiando os mais ricos e prejudicando os mais pobres é, certamente, a pior opção.