Título: As pessoas só conseguem ver o aqui e o agora
Autor: Oliveira, Eliane e Franco, Ilimar
Fonte: O Globo, 31/05/2007, Economia, p. 39

Polêmica, ministra do Meio Ambiente defende pela primeira vez investimento em transgênicos, desde que com segurança

BRASÍLIA. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é uma das figuras mais respeitadas, porém polêmicas, do governo. Alvo de críticas do primeiro escalão - o presidente incluído - devido à demora no licenciamento ambiental de obras bilionárias, como as hidrelétricas do Rio Madeira, Marina retruca que é parceira do crescimento. E alfineta, com a firmeza que lhe é peculiar:

- A idéia de juntar meio ambiente e desenvolvimento é a equação deste século. As pessoas só conseguem ver o aqui e o agora, mas eu tenho que ver o depois.

Continua radicalmente contrária à energia nuclear, mas não quer que se confunda convicção com inimizade à produção. Por exemplo, surpreende ao dizer, pela primeira vez, que o Brasil pode apostar na comercialização de produtos transgênicos - desde que tenha um sistema de armazenagem e transporte confiável.

Eliane Oliveira e Ilimar Franco

Como a senhora avalia a crítica, de dentro e fora do governo, de que as grandes obras do país não andam devido à lentidão do Ibama?

MARINA SILVA: O licenciamento ambiental é um processo complexo, que no Brasil se firmou de uma forma muito positiva. Um exemplo foi Corumbá IV, no Distrito Federal. Na última etapa, verificou-se que o lago ficaria parado durante 11 meses, represando um esgoto não tratado. O Ibama não deu a licença, mas a permissão foi determinada por ordem da Justiça. E o curioso é que o Ibama está sendo processado por isso. Não há uma cultura a priori de ser contra os empreendimentos. Trabalhamos é com a viabilidade socioambiental.

O que mudou em sua gestão?

MARINA: Havia uma estrutura inadequada em 2003. Dos 150 servidores, 90% eram temporários, e só 10%, efetivos. Invertemos a situação. Quando chegamos aqui, tínhamos 45 hidrelétricas paradas por problemas na Justiça. Todos foram resolvidos. Até 2003, a média de licenças era de 145 ao ano. Terminamos 2006 com média de 272 e só um processo judicializado. Quando o empreendedor atende adequadamente a todas as exigências, a licença sai num período bem mais célere, como foi o caso da hidrelétrica de São Salvador, que saiu em seis meses. É claro que é um processo que nem se compara ao do Rio Madeira.

Seu ministério é desenvolvimentista?

MARINA: Podem ter certeza: o que eu faço aqui tem tudo a ver com desenvolvimento, porque o nosso país depende 50% da biodiversidade. O nosso país é uma potência ambiental. Temos como vantagens econômicas terra fértil, energia e recursos hídricos. O Brasil é o maior exportador de água. Para um quilo de frango, usamos dois mil litros de água, e para um quilo de grãos são utilizados mil litros. Estamos também vendendo água em forma de commodity. Se não tivermos cuidado com as nascentes, destruiremos a Amazônia e acabaremos com nosso balanço hídrico, afetaremos drasticamente a economia. Essa idéia de juntar meio ambiente e desenvolvimento é a equação deste século. As pessoas só conseguem ver o aqui e o agora, mas eu tenho que ver o depois.

Dentro deste espírito, há uma mudança de cultura na classe empresarial?

MARINA: Essa mudança acontece em três níveis. Uma é pelo coração. São empresas que começaram usando seus próprios recursos, sem incentivos fiscais, sem absolutamente nada, pelo compromisso de fazer as coisas ambientalmente corretas. Há aqueles que são movidos pelos mercados, que vão ficando cada vez mais exigentes. As barreiras não-tarifárias são uma realidade, o selo ecologicamente correto também. E há aqueles que têm de se enquadrar pela repressão. Mas esses nem consigo chamar de empresários. Estamos no caminho da construção daquilo que eu chamo de uma nova narrativa para os produtos brasileiros. Nós não podemos perder essa oportunidade.

Como a senhora vê o etanol e outros biocombustíveis?

MARINA: Estamos promovendo inclusão social com eficiência energética. Temos 300 milhões de hectares de área agricultável no Brasil. Para se chegar em 2013 com 30 bilhões de litros de etanol, precisamos utilizar apenas três milhões de hectares dos 51 milhões de hectares em repouso. Isso significa que nós podemos produzir biocombustíveis sem derrubar uma única árvore. Não queremos ser uma Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) do biocombustível. Temos de ajudar a África, algumas regiões da Ásia, a América do Sul e o Caribe na produção de biocombustíveis.

A que a senhora atribui a reação à divisão do Ibama, com a criação do Instituto Chico Mendes, que cuidará dos parques e das reservas?

MARINA: Não sei se é incompreensão ou um processo de internalização.

Os funcionários do Ibama estão cumprindo a determinação judicial de que 50% dos serviços essenciais continuem funcionando, apesar da greve?

MARINA: Essa decisão ainda não vem sendo cumprida. Esses serviços essenciais são, principalmente, fiscalização, centros de pesquisas que trabalham com alimentação de animais, licenciamento e unidades de conservação. Por isso, o Ibama está efetivando o corte do ponto dos servidores faltosos, exatamente para que se possa manter em funcionamento o que determinou a Justiça. É preciso entender que a criação do Instituto Chico Mendes vai fortalecer a gestão ambiental brasileira.

O presidente Lula chegou a dizer recentemente que apelaria ao Papa para que as hidrelétricas do Madeira sejam construídas. A senhora vê isso como uma crítica?

MARINA: Acho que ele usou uma figura de linguagem: "eu falo com o Ministério Público, eu falo com o Papa, eu falo com o Ibama", exatamente para mostrar o quanto ele quer que as coisas aconteçam da forma correta.

A senhora continua contra a energia nuclear?

MARINA: Participo do debate do governo, que é no Conselho de Política Energética, com uma posição contrária. O Brasil tem inúmeras fontes de energia renovável limpa. Algumas delas se equivalem à nuclear em termos de custos, mas têm menos riscos ambientais. Devemos fazer a opção pelo menor risco, como a energia eólica e a biomassa. Não há solução segura em lugar nenhum do mundo para resíduos nucleares.

E quanto aos produtos geneticamente modificados (os transgênicos)?

MARINA: Penso que o Brasil precisa de uma estrutura de certificação, rastreabilidade, armazenagem e transporte separados, para que o país possa ter um modelo de coexistência. Ou seja, uma estrutura e uma legislação que permitam a produção em condições seguras, sem contaminação dos produtos não-transgênicos. Infelizmente, a legislação aprovada e as últimas mudanças feitas têm inviabilizado cada vez mais esse caminho da coexistência. Lamentavelmente, o Brasil está deixando de ganhar duas vezes.