Título: Cartões de crédito invadem caixa de correio
Autor: Novo, Aguinaldo e Casemiro, Luciana
Fonte: O Globo, 27/05/2007, Economia, p. 41

Prática condenada pelo CDC cresce 171% em SP este ano e preocupa entidades de defesa do consumidor.

SÃO PAULO e RIO. O cliente não pediu, mas no meio da correspondência chega um cartão de crédito. Mesmo proibida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que estabelece multa de até R$3 milhões para os infratores, essa prática voltou a crescer este ano e já assusta os órgãos de defesa do consumidor. Só o Procon de São Paulo recebeu, entre janeiro e março deste ano, 57 reclamações sobre o envio de cartão de crédito sem prévia solicitação a administradora ou loja. Isso corresponde a um aumento de 171,4% em relação ao total registrado nos três primeiros meses de 2006.

Sem chegar a uma solução, muitos desses casos vão parar no Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), vinculado ao Ministério da Justiça. Dos 18 processos administrativos já instaurados contra as empresas de cartões, 12 ainda não tiveram decisão. Esta semana, um desses processos irá a julgamento. Além disso, há mais oito averiguações preliminares, envolvendo os principais bancos e emissores de cartões do país.

¿ O Código de Defesa do Consumidor não é mera sugestão, mas lei. As empresas parecem não entender isso ¿ afirma o diretor do DPDC, Ricardo Morishita.

Consumidor deve denunciar a empresa aos órgãos de defesa

Haydée Maria Luz Pereira de Oliveira foi surpreendida, no início de abril, pela chegada de um cartão de crédito Unicard em nome da sua mãe, falecida em 2005. Haydée decidiu avisar a operadora do engano, mas foi novamente surpreendida com a orientação que recebeu:

¿ A atendente me disse que, para cancelar o cartão, seria necessário enviar a certidão de óbito autenticada. O que me neguei a fazer, obviamente. Depois, um segundo atendente me ligou dando a mesma informação. É o fim: liguei achando que estava prestando um serviço a eles, e a administradora me responde fazendo exigências por um cartão que sequer foi pedido ¿ conta Haydée.

A Unicard informou que entrou em contato com a consumidora e resolveu a questão. A empresa lamenta o transtorno causado pelo que chama de falha operacional.

Neste caso, a administradora passou por cima de pelo menos dois artigos do CDC. Pelo artigo 39, em seu inciso III, a entrega de produto sem prévia autorização é caracterizada como prática abusiva. Já o artigo 4 trata da boa-fé que deveria existir na relação entre empresa e cliente. Ao enviar o cartão sem autorização ou aviso, as empresas estariam transferindo para o consumidor o risco da operação, já que o plástico poderia se extraviar e ser usado por outra pessoa. As multas vão de R$212 a R$3,19 milhões.

Para a chefe da Assessoria Jurídica do Procon do Rio, Juliana Freitas, o caso de Haydée poderia ser levado ao Judiciário. Segundo Juliana, a consumidora poderia pedir indenização por dano moral e invasão de privacidade. A especialista recomenda que, ao receber um cartão sem solicitação, o consumidor inutilize-o imediatamente:

¿ Isso para evitar que terceiros possam vir a usá-lo indevidamente, criando ainda mais dor de cabeça para o consumidor.

Para Morishita, do DPDC, é importante também que o consumidor denuncie a empresa aos órgãos de defesa. Ao fazer o registro da reclamação, guarde os dados como prova da irregularidade.

Procon-SP atribui aumento de queixas à concorrência acirrada

Isso é necessário porque as empresas usam todos os subterfúgios para fugir da multa. Em resposta a um processo administrativo aberto pelo DPDC, um grande banco privado subverteu o que está previsto no Código de Defesa do Consumidor: alegou que o simples envio do cartão só seria proibido se houvesse constrangimento.

¿ Esse tipo de interpretação me assusta ¿ diz Morishita.

Acostumada a atuar na linha de frente das investigações, a assistente de direção do Procon de São Paulo, Dinah Barreto, também foi vítima das administradoras de cartões. Há duas semanas, ela recebeu em casa a oferta de um banco com o qual nunca manteve relação comercial. Segundo ela, em função do crescimento do número de reclamações, o órgão tem acelerado o contato com as empresas, na busca de uma solução preventiva. Dinah atribuiu o aumento das queixas à disputa de mercado entre as empresas, cada vez mais acirrada, principalmente no segmento de baixa renda:

¿ É uma prática ilegal e vergonhosa, diante dos lucros do setor.

Procurada, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) não se pronunciou sobre o assunto.