Título: A princesa alada
Autor: Jansen, Roberta
Fonte: O Globo, 27/05/2007, Ciência, p. 45

Pesquisadores brasileiros descobrem espécie de pterossauro na China. Fóssil conserva tecidos moles.

Uma delicada criatura alada que vivia perto de lagos no interior da China há 125 milhões de anos e cuja existência estava envolta em mistério até agora acaba de ser revelada ao mundo. Ela aparece em um estudo inédito, assinado por pesquisadores brasileiros e chineses que se aventuraram na região em busca daquele que é considerado um dos maiores tesouros da paleontologia: fósseis de pterossauros, os répteis voadores que poucos registros deixaram para a ciência.

A nova espécie de pterossauro descoberta pelo grupo sino-brasileiro foi chamada de Gegepterus changi ou princesa voadora Chang ¿ uma referência a uma das maiores paleontólogas chinesas, Ni Neng Chang, que intermediou a colaboração dos pesquisadores brasileiros com os chineses. Na verdade, não há como saber se o fóssil encontrado pertencia mesmo a uma fêmea. O nome foi escolhido como uma homenagem à cientista.

A apresentação da criatura também foi em grande estilo, em estudo publicado este mês na ¿Cretaceous Research¿, assinado por Xiaolin Wang, Alexander Kellner, Zhonghe Zhou e Diógenes de Almeida Campos ¿ os dois brasileiros são do Museu Nacional e os chineses, do Instituto de Paleontologia e Paleoantropologia de Vertebrados, em Pequim.

¿ O material foi descoberto há três anos, na província de Liaoning ¿ conta Alexander Kellner, que já esteve quatro vezes na China, um dos maiores depósitos desses fósseis, em busca dos ainda pouco conhecidos répteis voadores da pré-história. ¿ Esse fóssil vem de uma formação chamada Yixian, datada em 125 milhões de anos.

A princesa é considerada especialmente valiosa pelos pesquisadores em razão de algumas características raras apresentadas pelo fóssil, que podem ajudar a entender um pouco mais sobre os répteis que voavam. Ou complicar ainda mais a complexa equação que os cientistas tentam decifrar sobre a evolução dos animais.

¿ Esse fóssil tem uma série de características que, a rigor, não deveria ter ¿ aponta Alexander Kellner.

Na verdade, ele apresenta traços de animais muito primitivos, de até 225 milhões de anos, mescladas a de pterossauros mais recentes, de 80 a 90 milhões de anos.

¿ Surpreendeu bastante nesse sentido ¿ diz o paleontólogo. ¿ Ele tem vértebras no pescoço, costelas cervicais, que só os bichos mais primitivos têm. Ao mesmo tempo, apresenta uma estrutura muscular (que dá movimento ao pescoço) só encontrada nos bem evoluídos. Ou seja, não chega a ser um elo perdido, mas reúne características de animais mais recentes e também dos mais arcaicos. Chamamos isso de um pterossauro primitivo com características derivadas.

Outra grande surpresa para os pesquisadores foi a descoberta de tecido mole associado ao globo ocular do animal. Em tese, isso poderia permitir a extração de DNA. Mas não é tão simples assim.

¿ O estudo de DNA em fóssil ainda é um grande problema, uma pergunta em aberto ¿ explica Kellner. ¿ E não sei se é possível também porque temos muito pouco material.

No entanto, o pesquisador sustenta que a descoberta é importante por ser a primeira vez que se encontra esse tipo de tecido preservado num pterossauro.

¿ Na verdade, ninguém imaginava que isso era possível e não se buscava especificamente tecido mole. Temos que olhar melhor o nosso material para ver se encontramos outras amostras.

Dentes muito finos e entrelaçados

A descoberta do fóssil contribui ainda para mostrar a diversidade dos animais que viviam na região. A criatura chinesa tinha dentes bem finos, num padrão entrelaçado que lembra o de uma peneira. Esse tipo de dentição, chamada finiforme, é associada a animais filtradores, que se alimentam na água, como flamingos, e a deixam escorrer para reter a presa. Acredita-se que a nova espécie comia pequenos invertebrados e talvez peixes.

Os pesquisadores encontraram o esqueleto parcial do animal: partes do crânio e da pélvis e o pescoço quase completo. Estudos indicam que o réptil teria aproximadamente um metro de envergadura de asa e um corpo de cerca de meio metro.