Título: Renan é acusado de usar laranjas
Autor: Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 28/05/2007, O País, p. 3
MAIS UM ESCÂNDALO
Primos denunciam que presidente do Senado e irmão esconderam serem donos de fazendas.
Opresidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e seu irmão, o deputado Olavo Calheiros (PMDB-AL), são acusados, em um procedimento administrativo instaurado no Ministério Público Federal de Alagoas, de ocultar que são donos de propriedades rurais na região de Murici, terra natal e berço político dos Calheiros. Eles foram denunciados aos procuradores da República pelos primos Antônio Gomes de Vasconcelos e Dimário Cavalcante Calheiros, em depoimentos prestados em junho de 2005 e obtidos pelo GLOBO. Dimário disse no depoimento que Renan comprou dele, em 2002, a Fazenda Novo Largo, no município de Flexeiras, vizinho de Murici. A propriedade, no entanto, não consta da declaração de bens entregue pelo senador, no mesmo ano, à Justiça Eleitoral. Renan usaria laranjas para esconder ser dono de fazendas em Alagoas.
O presidente do Senado, que hoje fará um pronunciamento no plenário, deverá alegar a posse de terras para justificar os rendimentos com atividades agropecuárias com os quais tenta explicar o dinheiro repassado mensalmente à jornalista Mônica Veloso, com quem tem uma filha de 3 anos. Acusado pela revista "Veja" de ter as contas pagas pelo lobista Cláudio Gontijo, da empreiteira Mendes Júnior, Renan anteontem mostrou declarações de renda em que consta o lançamento de lucros com atividades agropecuárias, embora, oficialmente, não tenha propriedades rurais em seu nome. Renan admite ter usado o lobista para entregar dinheiro a Mônica, mas alega que usava recursos próprios.
Suspeitas de fraude adiaram indenização
Dimário, que é conhecido no interior de Alagoas como irmão adotivo de Renan, procurou o Ministério Público em 2005, depois de ter descoberto que, pelo menos em documentos públicos, constava como dono da Fazenda Cocal, em Murici, sem nunca ter adquirido as terras. Seu nome aparece em um documento do Ibama, enviado ao Ministério Público Federal, que relaciona as propriedades situadas dentro da Estação Ecológica de Murici. As fazendas serão desapropriadas e seus donos receberão indenizações milionárias, dentro do plano de recuperação ambiental da região. As suspeitas de fraudes, no entanto, emperraram o processo. Dimário acredita ter sido usado como laranja pela própria família, que estaria de olho nas indenizações a serem pagas pela União.
Localizado pelo GLOBO, Antônio Gomes confirmou as denúncias feitas aos procuradores, e acusou Renan e Olavo de usarem laranjas para ocultar que são os verdadeiros donos de terras em Murici. Sobre o caso da Fazenda Cocal, acusa os dois de comprarem um sítio ao lado de uma fazenda que pertence à família de sua mulher (a família Bento de Medeiros) e de aumentar a propriedade fraudulentamente, com o auxílio do cartório do município, de oito hectares para 275 hectares. Dimário não foi encontrado.
Nome de laranja em lista do Ibama
Foi Antônio quem descobriu que Dimário figurava na lista de proprietários a serem indenizados pelo Ibama. E orientou o primo a denunciar o caso. Em seu depoimento, Dimário disse que "em nenhum momento" foi proprietário da Cocal, e que não possui qualquer outro pedaço de terra em Murici. Contou ainda que, por 20 anos, trabalhou cuidando dos negócios da família Calheiros e, por determinação de Olavo, "adquiria pequenas propriedades para a família Calheiros". Dimário disse ainda que seu papel era o de negociar com os proprietários e fazer o acerto financeiro.
Dimário foi criado junto com Renan e, até três anos atrás, trabalhava como gerente das fazendas da família, segundo contaram amigos seus. Em 2004, os dois romperam a amizade, porque Dimário queria candidatar-se a prefeito de Murici, mas foi preterido por Renan, que escolheu seu filho, Renan Filho, na época com apenas 24 anos.
Certidões do cartório de Murici revelam ainda que Olavo Calheiros e sua mulher, Ana Weruska Maria de Cerqueira Calheiros, são donos das fazendas Santa Rosa e Santo Aleixo, respectivamente. Elas não constam de sua declaração de bens entregue ano passado ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), em que diz ser proprietário de três fazendas: Bananeira, Boa Vista e Capoeira. Na relação do Ibama, a Santa Rosa e a Santo Aleixo têm outros donos: as empresas Agropecuária Humberto Cansanção e a Companhia Industrial Omena Irmãos. Segundo a lista do órgão ambiental, essas terras têm juntas mais de mil hectares. O documento mostra ainda que Ana Weruska é dona de outra fazenda dentro da estação ecológica de Murici, a Poço Dantas, com 370 hectares.
Não há investigação aberta pelo Ministério Publico Federal sobre os negócios da família Calheiros. Como os parlamentares têm foro privilegiado, isso só pode ser feito pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Os documentos que lançam novas suspeitas sobre os Calheiros fazem parte de procedimento administrativo instaurado para apurar denúncias de desmatamento na Estação de Murici, que pertence à Mata Atlântica. O levantamento fundiário da região foi feito pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), subsidiária da Eletrobrás.
Procurado pelo GLOBO, Renan se recusou a dar informações sobre seus bens e a responder às acusações feitas por seus primos. Limitou-se a dizer que prestará esclarecimentos hoje, em plenário.