Título: A repressão ao tráfico de cigarros
Autor: Coelho, Luciana Saldanha
Fonte: O Globo, 29/05/2007, Opinião, p. 7

No dia 29 de abril deste ano, a Polícia Federal apreendeu aproximadamente duas mil caixas de cigarro falsificado contrabandeadas do Paraguai. Foram presas em flagrante três pessoas. A operação policial foi realizada no município de Marechal Cândido Rondon (Paraná), considerado uma das principais rotas de contrabando do Paraguai para o Brasil.

Na investigação policial foi descoberta a rota dos traficantes: (a) a mercadoria ilícita era levada do Paraguai para o Brasil por meio de barcos que atravessavam o Lago de Itaipu até chegar às margens brasileiras; (b) após desembarcar, a mercadoria ilícita era colocada provisoriamente em acampamentos montados às margens do referido lago; (c) posteriormente o produto era transportado por caminhões até galpões localizados nas áreas rural e urbana (distritos e sede do município); e (d) após armazenado, o produto ilegal era distribuído para todo o Brasil, numa espécie de "pulverização".

Duas semanas antes, no dia 16 de abril de 2007, em Botucatu, a equipe TOR (Tático Ostensivo Rodoviário) da Polícia Rodoviária, numa fiscalização de rotina realizada na Rodovia Castelo Branco, apreendeu uma grande carga de cigarros falsos (750 caixas). Tal apreensão foi considerada uma das maiores do gênero na região. Cada caixa apreendida continha 50 pacotes com dez maços cada uma, totalizando, aproximadamente, 375 mil maços de cigarros.

Diferentemente do primeiro caso, os criminosos transportavam a carga ilícita em veículo totalmente adaptado para o tráfico: um ônibus que não dispunha de bancos e tinha as janelas pintadas de preto, para impossibilitar o contato visual com o seu interior, ficando a carga escondida. Segundo o apurado, a carga contrabandeada teria entrado no Brasil por Foz de Iguaçu, seguindo diretamente para São Paulo.

Esses recentes exemplos revelam duas importantes coisas. A primeira delas indica que o tráfico de cigarros continua se expandindo no Brasil e a segunda, que é possível coibir este comércio ilícito com um mínimo de organização.

É importante, neste ponto, relembrar que a "CPI da Pirataria" serviu para "focar o problema" e realizar uma "reengenharia conjuntural e estrutural com vistas ao alcance da vitória contra os mais variados crimes de pirataria", podendo hoje ser considerada como um dos mais importantes marcos na política criminal contra a pirataria de cigarros. No entanto, é mais um ponto de partida do que de chegada, como mostra o relatório final da referida comissão parlamentar.

Nesses últimos quatro anos, após a realização daquela CPI, o Estado brasileiro já tem mostrado bons resultados no combate à pirataria conforme exposto nos relatórios de atividades do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, especialmente o de dezembro de 2006.

Já as empresas de tabaco, apesar das contribuições feitas, estão longe do ideal. Devem ampliar sua participação, junto ao Estado, nas políticas públicas de prevenção e repressão ao comércio ilícito de tabaco. É necessário que conheçam a fundo os mecanismos de persecução penal: as operações policiais realizadas, o desenrolar das investigações e os processos penais originados a partir das operações policiais (prisões, condenações, execuções penais etc.) e, com isso, saber onde estão as falhas e os acertos na repressão da citada criminalidade. Por exemplo, aqui no Brasil os crimes tipificados e as penas cominadas para reprimir os crimes ligados ao tabaco são ainda insuficientes.

Nenhuma campanha criada contra o contrabando e a falsificação de cigarros terá resultado sem uma estrutura capaz de apurar, colher informação e, a partir daí, promover um trabalho específico em cada região do Estado brasileiro. Falta neste ponto unidade informativa e repressiva.

Partindo-se da premissa de que aproximadamente um terço do mercado nacional de cigarros é de produto ilícito e de que a criminalidade organizada movimenta em torno de US$1 bilhão, pode-se afirmar que o comércio ilícito de tabaco irá aumentar, caso não haja uma mudança na política criminal. Este não é um problema local, só do Brasil, mas um problema mundial presente em diversos países. Mas no Brasil há uma agravante: o Estado, ao impor uma alta carga tributária, acaba indiretamente incentivando o mercado paralelo e, conseqüentemente, abrindo novos horizontes para a criminalidade organizada.

LUCIANO SALDANHA COELHO é advogado.