Título: Teoria da conspiração
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 30/05/2007, O País, p. 4

Muito além do que possa vir a acontecer com o senador Renan Calheiros nesse seu "calvário" particular, há um vulcão em erupção no interior da coalizão governista que pode explodir a qualquer momento, levando de cambulhada a estabilidade política do governo. Tudo indica que a opinião pública brasileira, soterrada por tantos escândalos, não reagiu bem às explicações, identificando no pronunciamento do presidente do Senado, e, sobretudo, naquela fila corporativa de abraços de solidariedade, uma pantomima. Afasta-se assim a classe política cada vez mais da sociedade, aumentando o fosso que a separa da vida real que deveria refletir.

Algumas tentativas de ponte estão sendo erigidas para que não se perca de vez, para o corporativismo, o contato com a opinião pública. O pedido de processo por quebra de decoro parlamentar feito pelo PSOL ao Conselho de Ética do Senado e a sugestão do senador Jefferson Perez de que Calheiros se licencie enquanto estiver sob investigação são tentativas de emitir sinais à sociedade de que há quem esteja conectado à realidade naquela ilha de fantasia em que se transformou o Congresso Nacional.

Não desagrada ao Executivo um Legislativo que tem força para coagi-lo a fazer a repartição fisiológica dos cargos e emendas orçamentárias, mas se enfraquece politicamente ao agir assim. E é essa lógica perversa em que está montada a coalizão governamental que permite que Calheiros se convença de que está metido nessa embrulhada não por conta de seus próprios erros, mas sim por uma disputa política.

Cresce a suspeita de que a aliança entre o presidente do PMDB, Michel Temer, e o PT, que resultou na eleição de Arlindo Chinaglia para a Presidência da Câmara, estaria gerando essa retaliação ao antigo PMDB, representado pelos senadores Renan Calheiros e José Sarney, que sempre foram os canais prioritários do governo federal e perderam essa regalia após o acordo com a outra banda do partido.

Em março, ao anunciar a escolha do deputado Geddel Vieira Lima para o Ministério da Integração Nacional, às vésperas da convenção do PMDB que escolheria o novo presidente do partido, Lula sinalizou de que lado está nessa briga, raciocinam os integrantes do PMDB que se sentem preteridos pelo governo.

O ex-ministro do Supremo Nelson Jobim desistiu de concorrer alegando na ocasião que o Planalto assumira a candidatura do deputado Michel Temer. Os acontecimentos de agora seriam uma decorrência dessa disputa interna no PMDB, com os neolulistas do partido contando com o apoio do PT para neutralizar o prestígio que Renan e Sarney desfrutam junto a o presidente.

Segundo essa teoria da conspiração, os novos aliados e os petistas estariam sendo poupados pela investigação da PF, enquanto os peemedebistas do Senado foram atingidos de morte, tanto na demissão de Silas Rondeau quanto agora com as acusações contra o presidente do Senado. Não importa se a acusação que mais pesa contra Renan não faça parte da Operação Navalha, mas seja resultado de uma reportagem da revista "Veja".

Ele já estava se sentindo incomodado com a citação de seu nome, que aparecia, desde o início das apurações, ligado ao de Zuleido Veras, o dono da Gautama. Há a sensação de que petistas e peemedebistas neolulistas estariam sendo preservados pela PF, que faria referências vagas a uns e carregaria nas tintas contra os adversários políticos do PT.

Uma confirmação dessa teoria seria a atitude do ministro Geddel Vieira Lima que anunciou que demitiria "preventivamente" Rogério Menescal, diretor de Recursos Hídricos do ministério da Integração Nacional, que apareceu em gravações como sendo um homem de confiança de Renan Calheiros, capaz de liberar verbas para obras em Alagoas, entre elas a barragem do Rio Pratagy, um negócio de mais de R$75 milhões tocada pela Gautama.

Dois funcionários do governo de Alagoas aparecem nas gravações da PF falando sobre a necessidade de obter o apoio de Renan para a permanência de Menescal no cargo, pois sem esse apoio não seria poupado por Vieira Lima. Foi o que bastou para o ministro demiti-lo, mesmo admitindo que nunca fora procurado por Renan para manter o funcionário, e também não teve nenhuma informação desabonadora sobre o funcionário."Na dúvida, é melhor afastar", disse o ministro. "É melhor para o ministério e para o Menescal". Ontem, Menescal pediu demissão.

Pois se passaram poucos dias e novas gravações apontam desta vez o nome do próprio Geddel sendo mencionado oito vezes por funcionários da Gautama. Numa delas, Zuleido diz que, com Geddel no ministério, "melhora tudo". Geddel diz que seu nome foi usado indevidamente. E é claro que a figura da "demissão preventiva" foi esquecida.

Está nas livrarias a segunda edição do livro do jurista e ex-deputado Marcello Cerqueira "A Constituição na História - Origem e reforma, da Revolução inglesa de 1640 à crise do Leste Europeu". Além do aspecto fundamental de atualização histórica, com a análise das mudanças institucionais ocorridas nos países resultantes do fim da União Soviética, o livro analisa a evolução constitucional à luz da História, demonstrando a relação que existe entre as mudanças ocorridas e o contexto político e econômico de cada momento e de cada país.

O ministro do Supremo Eros Grau escreve na orelha do livro que Marcello Cerqueira compreende que "a Constituição é um pedaço da História, um plano da própria História, (...) permitindo ao leitor a compreensão mais fina do fenômeno constitucional".