Título: Vende-se imóvel com morador
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 30/05/2007, Economia, p. 21

Apesar de vantagens, como preço menor, especialistas alertam para armadilha em feirão da CEF.

ACaixa Econômica Federal deu início este mês aos feirões da casa própria do ano e vai realizar nova rodada em junho, incluindo o Estado do Rio, onde haverá mais de 40 mil imóveis residenciais em oferta entre os dias 14 e 17. Entre eles, estão usados, novos, na planta e cerca de duas mil unidades retomadas pela instituição de mutuários inadimplentes, com preços, em média, 25% inferiores aos de mercado. Mas esses imóveis mais baratos, um dos maiores atrativos do evento, podem ser uma armadilha, alertam entidades ligadas à defesa do consumidor. Segundo dados da própria instituição, 80% das residências nessa situação estão ocupadas pelo antigo morador. São os chamados imóveis adjudicados, em que a Caixa, extrajudicialmente, convoca o devedor a saldar a dívida e, se ele não aparece, o bem é leiloado e vendido no feirão.

- Dessa forma, a Caixa transfere para o mutuário a responsabilidade de acionar o inadimplente na Justiça e tomar posse do bem - explicou o presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), Geraldo Tardin.

Ele explicou que, num cenário otimista, a pessoa que comprou o imóvel poderá ocupá-lo em seis meses. Isso se o devedor não questionar a validade do leilão, por exemplo, e alegar que não foi notificado pela Caixa. Nesse caso, a briga judicial poderá se estender entre seis e dez anos, e o comprador, ficar sem o bem.

- Ele pode perder o que pagou e ainda ser executado pela Caixa, caso tenha financiado a compra e atrasar as prestações - destacou.

Instituto tem 600 ações contra a Caixa

Há um ano, Ana Gláucia da Silva tenta na Justiça ocupar o apartamento que comprou da Caixa, no entorno de Brasília. Atualmente, ela mora de aluguel numa quitinete com a mãe e conta que, além de pagar as prestações do financiamento, tem os gastos com o advogado.

- Espero a justiça de Deus - lamentou Ana Gláucia, acrescentando que foi incentivada pelos amigos a fechar o negócio, diante do baixo preço do imóvel (metade dos R$40 mil do valor de mercado).

Do outro lado, o funcionário público Hélio Velozo Xavier briga na Justiça para anular a venda de seu apartamento, comprado no fim da década de 80 e que foi leiloado pela Caixa. Ele conta que ficou inadimplente em 2005 e alega que o imóvel foi vendido no início do ano passado, sem que ele fosse notificado.

- Não recebi a notificação. Veio apenas um oficial de Justiça mandando a minha família desocupar o imóvel. Hoje, pago aluguel - afirmou Xavier, que pleiteia ainda a revisão do saldo devedor do contrato.

Só o Ibedec afirma ter na Justiça cerca de 600 processos contra a Caixa em vários estados, inclusive no Rio. Somente no Distrito Federal, estão em andamento 50 ações. Em 2003, a entidade, junto com a Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), conseguiu, numa liminar, que a Caixa retirasse de mercado uma cartilha, em que era dito ao candidato a mutuário que era "fácil e garantido" retirar o inadimplente do imóvel, o que não é verdade.

- A cartilha foi retirada, mas a Caixa continua agindo da mesma forma. A arma da Caixa é o desconhecimento da pessoa - disse o consultor jurídico do Ibedec, Rodrigo Daniel dos Santos.

O superintendente da Caixa no Rio, José Domingos, contestou os argumentos. Disse que, antes de assinar o contrato, o mutuário é informado sobre todas as condições do imóvel, que constam no edital do leilão. Ele alegou que o interessado também vai conhecer a residência antes de fechar o negócio.

Classe média pode financiar compra

Sobre as dificuldades para retirar o inquilino, ele afirmou:

- Ainda assim, é interessante, pois os imóveis são mais baratos.

No feirão, serão oferecidas unidades para famílias com renda mensal a partir de três salários mínimos, sem limite de rendimento para os interessados em comprar imóveis mais caros. Estarão à disposição diversas formas de financiamento, desde os programas com subsídio para famílias com renda de até R$4.900, passando pelos empréstimos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), com uso do FGTS, até os empréstimos à classe média com recursos livres para imóveis que superam R$350 mil.

Em São Paulo, o feirão começou no último dia 24, com 60 mil imóveis à venda e grandes filas. Apenas nas primeiras duas horas de funcionamento, foram cerca de 20 mil visitantes. Nos quatro dias de evento, o total de visitantes foi de 154 mil, segundo a CEF, contra 146 mil na edição de 2006.