Título: A reforma política sobe no telhado
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 31/05/2007, O Globo, p. 2

Nem os escândalos cada vez mais freqüentes; nem a evidência de que o atual sistema não produz maiorias, incentivando a cooptação e o fisiologismo; nem as revelações da Operação Navalha sobre o mau uso das emendas parlamentares... Nada disso parece suficiente para convencer os deputados da necessidade da reforma política. O acordo de procedimentos para votá-la rachou o plenário. O acordo de líderes prevaleceu, mas a votação, na semana que vem, começará sob o signo da incerteza.

Durante toda a tarde, a silenciosa objeção de parte do plenário tentava evitar a aprovação do que fora combinado entre os líderes. Desafiados a tomar alguma atitude para conter o desgaste da própria atividade política, eles combinaram aprovar a urgência para a reforma. Antes, teriam que rejeitar, em bloco, os projetos que compõem o substitutivo do deputado-relator Ronaldo Caiado na comissão especial da reforma, trocando-os por novos projetos, do conjunto de líderes, individualizados e renumerados. Objetivo da troca: permitir a aprovação descruzada e evitar que a última palavra seja a do Senado.

A primeira votação, rejeitando os projetos afins, acabou acontecendo no início da noite, depois que o acordo viabilizou também a limpeza da pauta, com a aprovação da MP que regulamenta o Fundeb. Mas, ainda que urgência também tenha sido aprovada (não o fora até o fechamento desta coluna), a divisão do plenário já havia deixado claro que as chances de aprovação da reforma, como um todo, são remotas. Remotíssimas. A resistência a alguns pontos é forte, especialmente ao voto em lista. Quando começou a votação do requerimento de urgência, o líder do PDT, Miro Teixeira, pediu a retirada de seu nome como co-autor. Concordara apenas com a urgência, não com o teor do projeto. Ele é fortemente contrário ao voto em lista, e nos dizia ontem que o Chile, um dos poucos países latino-americanos que adota o sistema, está discutindo sua revogação. Mas Miro é apenas a voz contrária que mais alto se alevanta. Ao longo do dia, os pequenos e médios partidos resistiram, desconfiados de que os quatro grandes (PT, PMDB, DEM e PSDB) tramem a extinção deles.

- Uma paranóia, pois, se isso fosse verdade, haveria pelo menos unidade no PT. Infelizmente, não conseguimos tirar uma posição unitária - dizia o líder petista, Luiz Sérgio.

A divisão do PT é um sintoma forte do quanto a Câmara está rachada. Ibsen Pinheiro, veterano deputado agora de volta, e um dos mais empenhados na reforma, é realista:

- Boa parte dos deputados vive uma contradição. Quer o financiamento público de campanhas, mas não o voto em lista. Querem o impossível.

As resistências, diagnostica José Genoino, misturam razões ideológicas e razões pragmáticas. Mas as motivações dos deputados diante da reforma são principalmente paroquiais, diz o também veterano Humberto Souto, e ditadas pela situação de cada diretório de cada partido nos estados. No caso do voto em lista, diz o estreante Raul Henri, o receio da ditadura dos caciques prevalece sobre os benefícios do sistema.

Aprovada a urgência, será aberto o prazo de emenda aos projetos, para que sejam votados ainda na semana que vem. Eles propõem o financiamento público das campanhas, o voto em lista fechada, a fidelidade partidária e a troca das coligações proporcionais por federações permanentes de partidos. Mas, para crer na aprovação, só com a ajuda de São Tomé.