Título: Ponto da discórdia
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 31/05/2007, Economia, p. 26

O III Fórum Globonews era para debater o tamanho do Estado e o crescimento, mas o que acabou impressionando os jornalistas foi o dilema crescimento e meio ambiente. Sintomático de que o tema é inevitável e nada simples. O alerta do presidente da maior empresa privada do país deve ser entendido em seu contexto: a Vale tem projetos eletrointensivos e três projetos de térmicas a carvão.

Roger Agnelli, da Vale do Rio Doce, no debate que mediei da Globonews, foi incisivo e insistente: não há energia para se planejar investimentos no Brasil, país no qual, disse ele, nem o presidente da República consegue licenciar as hidrelétricas do Rio Madeira.

Para reforçar o argumento, contou que sua empresa está reduzindo investimentos no horizonte de dez anos porque faltará energia. Foi por isso que o ministro Paulo Bernardo comentou que era exagero de Agnelli.

- Você acha mesmo que a Vale vai deixar de investir? - disse o ministro.

Está investindo, inclusive, em energia, mais especificamente em projetos de três térmicas a carvão. Uma delas, em Barcarena, terá 600 megawatts; e querem fazer outras duas no Nordeste.

- Não há energia no Norte, que consome diesel, nem no Nordeste - lembrou Agnelli. Para alimentar as térmicas, se elas forem autorizadas, será importado carvão da Colômbia e, segundo ele, essas usinas implantarão novas e modernas tecnologias para "limpar" o carvão e evitar a emissão de partículas; a parte mais nociva da poluição provocada por essa fonte de energia.

A conversa sobre ter ou não energia para crescer ocupou grande parte do Fórum e continuou na mesa do almoço. O que estaria bloqueando o caminho seria, na visão repetida de Agnelli, a demora das licenças ambientais.

Não é tão simples assim, e ele sabe disso. A usina de Estreito, que a Vale está construindo com outros sócios, já obteve a licença do Ibama e está parada por liminar conseguida pelo Ministério Público. Ou seja, mesmo se o Ibama não existisse, novos projetos de energia enfrentariam algum tipo de barreira por razões ambientais.

No Brasil, os empresários estão tão acostumados a repetir o mantra de que tudo é culpa do Ibama que não se dão conta de algumas coisas.

Primeiro, o Ministério de Minas e Energia está ainda sob suspeição; afinal foi lá que entrou um envelope com R$100.000 de propina paga por uma empreiteira para alguém com sala próxima à do então ministro. Ainda não se sabe ao certo em que mãos pousou esse envelope; o sucessor do ministro foi escolhido pelos mesmos políticos que haviam indicado o anterior, e o novo nome saiu da mesma equipe que ele comandava. É justamente o MME que patrocinará as obras. Segundo, enquanto o ex-ministro Silas Rondeau atacava o Ministério do Meio Ambiente pela demora da licença das hidrelétricas do Rio Madeira, ele omitia o fato de que várias estatais de energia estavam acéfalas - e, portanto, sem capacidade de tomar decisões - à espera da repartição entre os partidos dos cabides de emprego que são as empresas públicas. Há, então, mais barreiras ao planejamento elétrico e ao bom andamento dos projetos que apenas os empecilhos ambientais.

Se o Brasil quer mesmo fazer no meio da floresta duas hidrelétricas que custam R$20 bilhões, sem contar as linhas de transmissão, não basta pôr a faca no pescoço do Ibama para que saia a licença. O mais importante é construir um processo com transparência suficiente e o máximo de controle para evitar a repetição dos crimes do passado.

Roger Agnelli tem razão quando diz que, no horizonte de dez anos, não há garantia alguma de oferta de energia suficiente para o crescimento. A vantagem é que, se o horizonte é de dez anos, o país ainda tem um tempo para tomar as decisões adequadas. O ministro Paulo Bernardo disse que o país tem que discutir a possibilidade de implantar usinas nucleares e mirar a diversificação das fontes de energia. De fato, existem muitas outras fontes possíveis. Nenhuma, isoladamente, resolve o problema do Brasil, mas é falso o dilema "Madeira ou carvão", insistentemente apresentado no debate brasileiro sobre este tema. O melhor mesmo é diversificar.

Os jornais de ontem trouxeram vários exemplos de investimentos que podem ser cancelados por falta de energia: a maioria, projetos eletrointensivos, como o da Vale na produção de alumínio. Mas será que é isso mesmo que o Brasil quer produzir? Alumínio, por exemplo, é energia pura. Só a indústria do alumínio usa em torno de 10% de toda energia que a indústria consome. Quando é exportado, o país está exportando energia, que hoje não tem sobrando. Sem falar nas emissões de carbono. Com a pressão sobre países desenvolvidos de redução das emissões, a tendência será a de exportar a produção eletrointensiva para países menos desenvolvidos.

Dado o adiantado da hora do aquecimento global, é inevitável que a relação energia&meio ambiente inclua decisões a tomar sobre que tipo de desenvolvimento queremos para o país. É simplificar o problema pôr toda a culpa no Ibama e tratar a questão ambiental como obstáculo que está bloqueando o caminho. É preciso tomar as decisões na área de energia com o máximo de rapidez e a necessária cautela. Este é um imperativo do momento atual.