Título: Planejar a família
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 01/06/2007, O País, p. 4

Depois de ter perdido tempo e energia política no debate extemporâneo sobre um plebiscito para a descriminalização do aborto, o governo lançou um programa de planejamento familiar que pode ser considerado um dos seus principais programas sociais, se não o maior. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, deu tom de prioridade ao tema assim que assumiu o cargo, e tudo indica que tenha feito isso para colocar em prática um projeto que vinha sendo objeto de discussões do centro decisório do governo pelo menos desde 2004, que objetiva a "valorização do núcleo familiar". No seu nascedouro, ele seria um programa social de largo espectro, abrangendo vários ministérios, e estaria ligado à valorização de políticas de transferência de renda, como o salário família e o Bolsa Família, como complementação do valor do salário mínimo.

Por questões políticas, acabou sendo deixado de lado à espera de momentos mais favoráveis para a implantação, depois que a então secretária de Políticas para Mulheres, Emília Fernandes, anunciou que o planejamento familiar seria incluído como uma das condicionalidades do Bolsa Família, que hoje paga R$15 por cada filho, até o limite de três para cada família.

O estímulo financeiro ao planejamento - pagar mais às famílias que tenham menos filhos, por exemplo - foi criticado seriamente na ocasião, assim como hoje há o temor de que o programa possa estimular as famílias pobres a terem mais filhos, embora esta seja uma suposição que carece de comprovação técnica até o momento.

De qualquer modo, o programa de planejamento familiar agora lançado, que terá verba de R$100 milhões, incluindo um programa de esclarecimento à população, poderá neutralizar uma eventual distorção nesse aspecto do Bolsa Família.

O fato é que número de filhos por mulher tem diminuído em todo o país, e nossa taxa de crescimento populacional já está próxima à considerada tecnicamente compatível com o equilíbrio populacional. Já tivemos uma "taxa de reposição" - número de nascimentos necessários para o equilíbrio populacional -- quase três vezes superior, em média, à taxa ideal, que é de 2,1 filhos por mulher. Hoje, nossa taxa é de 2,3, média, quase idêntica à dos Estados Unidos, que têm índice de 2 filhos por mulher.

Mas, segundo o IBGE, isso acontece devido às famílias de renda acima de cinco salários mínimos, onde predomina a média de dois filhos ou mesmo o filho único. As regiões mais pobres são as que têm as mais altas taxas de fecundidade, em média cinco filhos por família. Há ainda regiões no Brasil onde o número de filhos por mulher pode ser comparável aos índices de países africanos. A taxa de natalidade caiu de 40 filhos por 1.000 habitantes, em 1960 e 1970, para 22 filhos por 1.000 habitantes em 2000. O número de filhos nas famílias brasileiras caiu 60% em 40 anos, de uma média de 6,2 em 1960 para 2,38 em 2000.

Mas as disparidades regionais ainda são gritantes: Sudeste, Centro-Oeste e Sul estão perto da taxa de reposição, de 2,1 filhos. Já o Norte tem média de 3,16 e o Nordeste, de 2,7. As maiores quedas foram registradas nessas regiões: 28,3% no Norte e 24,7% no Nordeste. Mas está demonstrado que a variação da taxa de fecundidade, mais do que à pobreza ou à região, se deve à renda e, principalmente, à escolaridade. A brasileira que vive em famílias de renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo tem média de até 5,3 filhos, enquanto a média de filhos de mulheres em famílias de maior renda é de 1,1 filho.

"A do Piauí é bem maior que a do Paraná, mas, se o corte for pelos anos de estudo das mães, o resultado será exatamente igual, no Piauí ou no Paraná", ressalta o sociólogo Sérgio Besserman, ex-presidente do IBGE e atual presidente do Instituto Pereira Passos, da Prefeitura do Rio de Janeiro, um especialista no assunto.

Alguns estados já estão abaixo do nível de reposição: em 2000, a taxa do Rio de Janeiro era 2,04; a de São Paulo, 2,05; e a do DF, 1,96. Besserman relembra o cálculo do demógrafo Kaizo Beltrão para o Rio de Janeiro: o número de filhos a mais que as mães moradoras de favelas têm em relação à média das mães da cidade, somado à migração, responde por mais da metade do crescimento da população de favelas do Rio entre 1991 e 2000 - últimos censos do IBGE. Segundo ele, "não há exemplo no mundo de país que tenha se desenvolvido sem que a taxa de fecundidade tenha caído".

Um fenômeno que vem preocupando muito as autoridades é o aumento da gravidez na adolescência, especialmente nas favelas das grandes cidades. Segundo dados do IBGE, com base no último censo, aumentou em 42% o número de mães pobres na faixa de 15 a 19 anos. A taxa de fecundidade, apesar de baixa e cadente como em todo o país, aumentou entre as mulheres de 15 a 19 anos. E 50% dos filhos dessas mulheres nascem fora de uma união estável, segundo pesquisa do IPP.

O presidente do Senado, Renan Calheiros, ter se transformado em um autêntico "pato manco", gíria importada dos Estados Unidos que identifica o político que perde o prestígio pela falta de expectativa de poder futuro, já mexe com o equilíbrio de poder dentro da coalizão governamental.

O PMDB da Câmara já trabalha contra o ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, culpando-o, na impossibilidade de culpar o presidente Lula, pelo não preenchimento de cargos no segundo escalão.

Segundo os neolulistas do PMDB, Mares Guia aproveitou-se da disputa entre as alas do Senado e da Câmara para tentar colocar políticos mineiros em postos que estão sendo objeto de desejo do PMDB, como a presidência de Furnas e diretorias do Banco do Brasil e Petrobras.