Título: Serra cede e altera decreto sobre universidades
Autor: Farah, Tatiana e Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 01/06/2007, O País, p. 8

Governo suspende negociações até que reitoria da USP seja desocupada. Estudantes fazem manifestação.

SÃO PAULO. Pressionado pelas universidades, o governador José Serra (PSDB) voltou atrás ontem e refez o texto de decretos que têm provocado polêmica na USP, na Unesp e na Unicamp, ao mesmo tempo em que endureceu a relação com os estudantes que invadiram há 29 dias a reitoria da USP. O governo suspendeu as negociações até que o prédio seja desocupado. Os estudantes, que fizeram manifestação nas imediações do Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi, decidiram manter a ocupação da reitoria.

No Diário Oficial de ontem, o governador publicou um "decreto declaratório", afirmando que a execução orçamentária, contábil e patrimonial das universidades e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) será realizada em acordo com a autonomia universitária e com a Constituição estadual.

Um dos decretos modificados por Serra ontem trata da criação da Secretaria de Ensino Superior e de suas atribuições. O decreto original (nº 51.461) dizia que o governo ampliaria as atividades de "pesquisa, principalmente as operacionais, objetivando os problemas da realidade nacional". Com esse texto, o governo foi acusado de dirigir as pesquisas para as necessidades do mercado. Ontem, o texto mudou para: "Ampliação das atividades de ensino, pesquisa e extensão", retirando todo o direcionamento das pesquisas acadêmicas.

As três universidades também foram excluídas da ingerência da Secretaria do Ensino Superior sobre seu orçamento e suas políticas acadêmicas. O governo também não poderá usar áreas ou bens próprios dos campi, como estava previsto no decreto inicial.

- O decreto declaratório não é um recuo - insistiu José Aristodemo Pinnoti, secretário de Ensino Superior, que explicou: - O governador esclareceu que os decretos preservam a autonomia universitária.

Governador atendeu a pedido de reitores

Em fevereiro, o governador já havia recuado em um ponto, o que tornava o secretário de Ensino Superior presidente do Cruesp (Conselho dos Reitores das Universidades Estaduais Paulistas). A regra incomodou os reitores e Serra voltou atrás, publicando uma retificação.

Sobre o decreto de ontem, o governador atendeu a uma carta dos três reitores e do presidente da Fapesp, Carlos Voigt. A carta foi publicada na primeira página do Diário Oficial, acima do decreto declaratório. Segundo ela, os decretos não "afetaram o exercício efetivo de sua autonomia", mas "têm surgido controvérsias acerca de sua interpretação". De maneira cordata, os dirigentes das três universidades pediram que o governador publicasse o "esclarecimento". A pressão sobre Serra começou no dia 3 do mês passado, quando um grupo de 300 estudantes da USP invadiu a reitoria pedindo a revogação de cinco decretos que tratavam sobre a educação e o funcionalismo.

Ontem à noite, o movimento de alunos da ocupação da reitoria publicou um documento na internet afirmando que o decreto de ontem, na prática, "revogou os decretos anteriores no que tange às universidades estaduais paulistas".

Depois do protesto que reuniu 3 mil pessoas nas imediações do Palácio dos Bandeirantes, o governo decidiu encerrar as negociações. Uma reunião entre o secretário de Justiça, Luiz Antonio Guimarães Marrey, e um grupo de estudantes, professores e funcionários que cobram a revogação dos decretos, marcada para hoje, foi cancelada unilateralmente pelo secretário.

- Vamos deixar uma coisa clara: enquanto não houver desocupação da reitoria, não tem mais conversa - afirmou, irritado, o secretário, citando a crescente lista de reivindicações dos alunos: - A cada dia eles aumentam um item numa pauta impossível de ser cumprida.

Manifestantes queriam protestar na frente do palácio

De acordo com o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) e o deputado estadual Carlos Gianazi (PSOL-SP), que representaram os estudantes em uma reunião com o secretário da Casa Civil, Aloysio Nunes Ferreira, a decisão deve levar à radicalização do movimento, que se espalha pelos campi do estado.

- O problema é dele (Serra). Essa postura só vai radicalizar a situação - disse Valente.

Os dois deputados integraram uma comissão de 13 representantes dos estudantes, professores e funcionários chamados para uma reunião no Palácio dos Bandeirantes.

Eles foram recebidos inicialmente por dois funcionários de segundo escalão em um prédio anexo ao palácio e passaram duas horas negociando o local do protesto. Os manifestantes queriam uma passeata na frente do palácio, mas o governo evocou um decreto assinado na época do governador Mario Covas (morto em 2001) e manteve os manifestantes longe da sede do governo. Nenhum ponto da pauta de reivindicações foi abordado. Depois, o chefe da Casa Civil aceitou receber os deputados, mas negou os pedidos.

No início da noite, o reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, presidente do Conselho de Reitores, disse esperar que, agora que Serra deixou clara a autonomia universitária, os estudantes, funcionários e professores abandonem os protestos e as universidades voltem à normalidade.