Título: Nó cego tributário
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 01/06/2007, Economia, p. 23

Empresas mantêm exércitos de funcionários para tentar ficar em dia com o Fisco.

Ogoverno prometeu enviar, no segundo semestre, a proposta de Reforma Tributária, alvo de discussão com os governadores desde o dia 6 de março. Mas, entre declarações ambíguas sobre o formato e a viabilidade da proposta, quem continua a padecer é o setor produtivo, que convive, por exemplo, com 27 diferentes regras do ICMS e uma gama de obrigações e direitos fiscais. Segundo especialistas e executivos ouvidos pelo GLOBO, empresas de grande porte, com mais de cinco mil empregados e escritórios em vários pontos do território nacional, mantêm até 90 pessoas apenas para acompanhar os diversos procedimentos e agendas tributárias, além das alterações encaminhadas pelos estados.

- O custo da administração tributária no Brasil é o dobro de um país em desenvolvimento e dez vezes superior ao do Canadá - afirma Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do Grupo Gerdau.

Poucas firmas têm coragem de reclamar publicamente da burocracia e ninguém verbaliza o custo da complexidade fiscal. Mas uma conta apresentada pela TIM - a segunda operadora de telefonia celular do país - dá a dimensão do problema. A unificação do ICMS reduziria pela metade o número de funcionários de sua área financeira dedicados aos Fiscos federal e estaduais.

Sistema complexo incentiva sonegação

A empresa, que paga R$2 bilhões só em ICMS, mantém 30% de seus funcionários administrativos dedicados à questão tributária. Entre outros motivos, porque o que é padrão em um estado é totalmente ilegal em outro.

- Em Goiás, tenho que pagar até dia 25 do mês corrente uma estimativa de 70% sobre o que recolhi de ICMS no mês anterior. Na virada do mês, faço a compensação pelo que de fato ocorreu (imposto a pagar ou crédito a receber), uma fórmula complexa. No vizinho Distrito Federal, pago o ICMS de forma simples, em uma única parcela, até o dia 20 do mês seguinte à venda - exemplifica Walmir Kesseli, gerente financeiro da TIM.

Já um fabricante de tintas é responsável pelo recolhimento de todo o tributo que incide na cadeia (até o varejo), de forma antecipada, creditando parte disso posteriormente. Este ano, uma empresa do Rio pagou o ICMS antes de entregar a mercadoria no Piauí, mas uma greve do Fisco local impediu a conclusão da transação. A indústria arcou com o prejuízo por quatro meses.

A guerra fiscal entre estados também respinga no setor produtivo. Uma grande rede de supermercados comprou frutas da Bahia e recolheu o ICMS reduzido (2%, contra os 18% normais). Ao vender a mercadoria em São Paulo, tentou creditar os 18% do imposto da Bahia, prática legal, mas a Fazenda local não aceitou. Em outro caso, uma rede de farmácias paulista comprou produtos no Rio e parcelou metade do ICMS da operação. Ao vender ao consumidor final, creditou integralmente o tributo (prática legal), mas São Paulo também não aceitou a transação, apenas pelo financiamento.

A complexidade do sistema incentiva a sonegação em diversos segmentos, prejudicando outras companhias da cadeia produtiva. Elizabeth Ramos, advogada do setor petrolífero, diz que o mais recente golpe são as "operações mineirinhas". Como a alíquota de ICMS de combustíveis em Minas Gerais é menor que a do Rio, algumas distribuidoras informam que seus produtos foram vendidos para o mercado mineiro, embora jamais tenham saído de solo fluminense, para obter ilegalmente o ressarcimento.

Para compensar as fraudes, os estados produtores tendem a elevar as alíquotas de ICMS sobre petróleo e energia, onerando fortemente os produtores. No Rio, estão concentradas empresas como Petrobras, Shell, British Petroleum e Exxon.

- Esta situação é caótica e tende a ser mantida, com o atual formato da Reforma Tributária que o governo está concebendo - disse Richard Dotoli, advogado do escritório Siqueira Castro, com filiais em 14 estados.

Dotoli diz que a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), para substituir ICMS, IPI, IRPJ, PIS e Cofins, pode ser um tiro no pé, porque a unificação talvez não acabe com a fixação de alíquotas por estados. O governo já disse que quer continuar a cobrar ao menos 2% na origem. Segundo Dotoli, outro problema pode persistir: a fixação das obrigações acessórias (pedidos de documentos e procedimentos). Uma gigante da siderurgia, por exemplo, criou um departamento só para fiscalizar as suas obrigações e a de prestadores de serviço, pois há estados que multam quem contrate terceiros com problemas.

Além dos prejuízos diretos, essa burocracia faz com que as empresas lotem os tribunais para pedir ressarcimentos, revisões de multas e outras questões. No Rio, nenhuma empresa consegue iniciar uma discussão administrativa sem pagar, pelo menos, R$2.800 a um advogado.