Título: Lula repudia ataques de Chávez
Autor: Viana, Natália e Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 02/06/2007, O País, p. 3

Brasileiro reage a crítica ao Congresso, cobra explicação e manda colega "cuidar da Venezuela".

Em resposta ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que chamou o Congresso brasileiro de papagaio por, segundo ele, apenas repetir o que diz o Parlamento americano e o governo George W. Bush, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou ontem Chávez "cuidar da Venezuela". De passagem por Londres, a caminho da Índia, Lula inicialmente resistiu a comentar o ataque de Chávez, mas depois não só respondeu, em defesa do Congresso brasileiro, como também mandou o Itamaraty cobrar explicações do embaixador venezuelano no Brasil, Julio Garcia Montoya, e pedir que transmita sua indignação ao governo do país vizinho.

- Todos nós somos adultos, e cada um tem responsabilidade pelo que fala. Eu penso que o Chávez tem que cuidar da Venezuela, eu tenho que cuidar do Brasil, o Bush tem que cuidar dos Estados Unidos, e assim por diante - disse Lula.

Em rápida entrevista, antes de seguir para o jogo da seleção brasileira com a da Inglaterra, Lula disse que o fechamento do canal venezuelano Radio Caracas Televisión (RCTV) é um problema "do Chávez com a legislação da Venezuela":

- Não é um problema do Brasil. O problema do Brasil é outro, é que temos uma prática extremamente democrática na relação com a imprensa, consolidada. E acho que cada país tem que ter soberania para entender o que tem que ser feito - disse Lula, que no começo da semana já fizera veemente defesa da liberdade de imprensa.

Senado fez petição em defesa de TV

A reação de Lula foi motivada pelas declarações de Chávez sobre uma petição do Senado brasileiro solicitando a reabertura do canal privado RCTV. A licença da emissora expirou no domingo passado e não foi renovada pelas autoridades venezuelanas.

A primeira declaração de Lula sobre os ataques de Chávez ontem tinha sido mais tímida:

- Veja como sou diplomata. Não posso falar de um discurso de um chefe de Estado porque você (um jornalista) está me fazendo uma pergunta. Numa situação dessa, não sei se o Chávez falou ou não. Se falou, certamente o embaixador brasileiro em Caracas vai comunicar ao Itamaraty - disse Lula, que, horas depois, reagiu.

Em cadeia de rádio e TV, na noite de anteontem, Chávez atacou o Congresso do Brasil por protestar contra a não renovação da concessão da RCTV:

- Que triste para o povo brasileiro. Dou condolências a esse povo, que não merece isso. Um Congresso que repete como um papagaio o que diz Washington. Que tristeza!

E foi além:

- A esses representantes da direita brasileira, posso dizer que será mais fácil, muito mais fácil, que o império português volte a se instalar em Brasília do que o governo da Venezuela devolver a concessão da TV - disse Chávez, para quem os parlamentares brasileiros "deveriam ocupar-se dos problemas do Brasil."

Com a crise diplomática, o Itamaraty divulgou uma nota em tom duro, fora do habitual: "O presidente Lula reafirmou seu total apoio às instituições brasileiras e expressou seu repúdio a manifestações que coloquem em questão a independência, a dignidade e os princípios democráticos que norteiam essas instituições", diz um trecho do comunicado do Ministério das Relações Exteriores, chamando de "indispensáveis" os esclarecimentos que seriam dados por Montoya.

O presidente em exercício José Alencar evitou alimentar polêmica, mas afirmou:

- Vocês sabem da minha condição de intransigência em relação à democracia e, portanto, à liberdade de imprensa. Nunca desrespeitei nenhum órgão de imprensa, mesmo quando levantaram alguma coisa contra mim.

A Venezuela decidiu entrar como membro pleno do Mercosul em meados do ano passado, quando Chávez assinou o documento de adesão. O presidente tem voz, mas não pode votar, uma vez que, tecnicamente, não se adequou ainda às regras do bloco, principalmente o compartilhamento da Tarifa Externa Comum (TEC) - tabela de alíquotas praticadas no comércio com terceiros mercados.

O vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores e integrante do Parlamento do Mercosul, senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), alertou que as críticas do presidente venezuelano vão dificultar a aprovação do ingresso da Venezuela pelo Legislativo brasileiro. O assunto estará na pauta da reunião do Parlamento do Mercosul no próximo dia 25.

- Foi uma agressão o que ele disse. Agora fica mais difícil a inclusão da Venezuela no Mercosul, pois há uma demonstração de que ocorre uma escalada antidemocrática, uma vez que houve o episódio da RCTV - disse o senador.

COLABOROU: Luiza Damé

* Especial para O GLOBO