Título: PF desmonta fraude mundial
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 02/06/2007, Economia, p. 33

Quadrilha negociava falsos títulos de crédito em 22 países. Prejuízo supera US$1 milhão.

APolícia Federal (PF) desbaratou ontem uma quadrilha que criou empresas fantasmas para fraudar títulos de crédito, falsificando documentos de US$50 milhões a US$1 bilhão, que foram negociados em, pelo menos, 22 países. Preliminarmente, 200 papéis foram transacionados internacionalmente, com prejuízos comprovados de US$1 milhão - embora este valor deva ser muito superior, pois a maior parte dos recursos obtidos não retornou ao Brasil. A operação pode ter comprometido a imagem de grandes bancos brasileiros, que apareciam como emissores dos documentos.

Batizada de Operação Bruxelas, a ação da PF obteve autorização da Justiça para prisão provisória de 16 pessoas em seis estados - São Paulo, Rio, Goiás, Paraná, Distrito Federal e Pará. Mas esse número deve aumentar, principalmente com pedidos de prisões em outros países, pois já há dez estrangeiros identificados na quadrilha. Interpol, FBI e Scotland Yard foram acionados pela PF. Todos são acusados de formação de quadrilha, falsificação de título de crédito, falsidade ideológica, falsificação material e lavagem de dinheiro. O pedido médio de prisão deve ser de dez anos.

Até a noite de ontem, 12 prisões foram efetuadas, com a apreensão de dez veículos e US$20 mil. Um cidadão português fugiu para seu país, e uma prisão ainda não havia sido efetuada até as 21h. Outros dois pedidos de prisão foram autorizados no início da noite e deveriam ser cumpridos durante a madrugada. Um dos presos em Brasília contribui fortemente com as investigações, confirmando todas as fraudes.

Contatos nos títulos eram da quadrilha

Duas pessoas comandavam a organização criminosa, segundo a PF: Wagner dos Santos, de São Paulo, e Alceu Lima, de Curitiba. A quadrilha atuava desde 1996, num esquema muito sofisticado. Seus integrantes forjavam letras de crédito, garantias bancárias e notas promissórias, simulando que duas empresas - Aldibra, em São Paulo, e Goiás Petro Ltda, em Curitiba e Goiânia - possuíam créditos com grandes instituições financeiras e até pequenas cooperativas de crédito.

Numa segunda etapa, de posse desses documentos falsos, alguns emissários tentavam vender os títulos no mercado secundário internacional. O comprador no exterior, caso não tivesse exigido certificação no ato do negócio, usava o papel como garantia numa solicitação de financiamento junto ao seu banco. Para aceitar, essa instituição no exterior entrava em contato com o agente financeiro que "emitiu" o documento fraudado.

Era nesse momento que começava a terceira etapa da fraude. Os contatos (telefone, e-mail) que acompanhavam os títulos eram dos integrantes da quadrilha. Quando acionados, atestavam a veracidade do documento, enviando ao exterior cópias falsificadas de certificados internacionais de transação interbancária. São como telas de computador. O sistema mais usado é chamado de Swift. Mas também era fraudada uma certificação de comunicação via telex chamada KTT.

Toda a falsificação, seja dos documentos, seja das telas de certificação internacional, era realizada por dois dos presos em Goiânia, identificados como Ácores Carvalho e José Augusto, segundo fontes da PF. Em algumas operações, eles chegaram a enviar ao exterior cópias físicas dos documentos falsificados.

- O prejuízo calculado até o momento para os compradores dos títulos é de US$1 milhão, mas esse valor deve ser muito superior, pois a maioria dos recursos obtidos com a fraude está no exterior. A maior parte da remessa ao Brasil era realizada em pequenas transações, via Western Union (banco americano), que só permite o envio de US$20 mil por transação - afirmou o delegado responsável pela investigação, David Servulo Campos, chefe da Delegacia de Crimes Financeiros em Brasília.

PF vai investigar atuação em lavagem

Além de fazer toda a transação fraudulenta, a quadrilha oferecia o serviço segmentado a terceiros. Por exemplo, emitia cópias falsas de garantia bancária com "registro" Euroclear (instituição européia que realiza a custódia e liquidação financeira de operações com ações e títulos em moeda estrangeira), ao preço de US$13.200. O envio de KTT falso valia US$3.000. Já a emissão de uma nota promissória com "registro" no Euroclear custava US$5,5 mil.

Os mandados de prisão emitidos ontem à noite tinham como alvo duas pessoas em São Paulo: um empresário e um funcionário de um banco. Apesar disso, o delegado não acredita que existam muitos integrantes das instituições financeiras brasileiras fraudadas no esquema:

- Na instituição internacional responsável pelo Swift (em Bruxelas, daí o nome da operação), com certeza não existia, pois isso tornaria a descoberta da quadrilha mais fácil. Mas há pelo menos um brasileiro de banco envolvido. Começamos a descobrir toda a quadrilha quando os primeiros títulos começaram a vencer e, na hora da liquidação, não eram reconhecidos pelos bancos brasileiros.

Segundo o delegado, a segunda etapa da investigação será descobrir se a quadrilha também realizava a lavagem de dinheiro para outros grupos.