Título: O roubo que não é punido
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 03/06/2007, O País, p. 3

DINHEIRO PÚBLICO NO RALO.

Apenas 1% das multas aplicadas pelo TCU por desvio de dinheiro público é paga.

Dinheiro público roubado não volta. O Estado tem extrema dificuldade para recuperar recursos desviados, por esquemas de corrupção, de obras irregulares. Os principais órgãos responsáveis pela fiscalização e pelo combate a fraudes admitem que apenas uma pequena parte dos valores embolsados por quadrilhas volta para os cofres públicos. Nos últimos sete anos, de 2000 a abril de 2007, as multas aplicadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) atingiram a cifra de R$3,3 bilhões. Só no ano passado, as multas chegaram a R$502 milhões. A estimativa do tribunal é de que apenas 1% desse total retorna aos cofres públicos. O próprio governo calcula que o total de desvio em obras e compras públicas, devido à ação de cartéis, chegue a R$40 bilhões anuais.

- É muito difícil recuperar esse dinheiro porque a obra já foi concluída e o dinheiro, pago. Quem desvia dinheiro o esconde. É quase perda de tempo. A porta já está arrombada. É preciso chegar antes do bandido - diz o procurador Lucas Furtado, representante do Ministério Público no TCU.

A responsabilidade de executar essas dívidas é da Advocacia Geral da União (AGU), que reconhece a dificuldade para reaver esses valores. A AGU alega que o principal problema é o longo prazo de tramitação de um processo no TCU, cinco anos em média. Outro problema é localizar bens em nome de devedores, além dos obstáculos impostos pela legislação.

Para o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, o principal obstáculo para o governo recuperar o dinheiro da corrupção é a morosidade da Justiça. O número de recursos e expedientes protelatórios é, segundo ele, exagerado. Hage reconhece ser difícil recuperar boa parte dos recursos desviados.

- Há muito o que progredir nessa área. A desproporção entre o volume de fraude e irregularidade que somos capazes de detectar, descobrir e identificar e até comprovar é muito maior do que tem sido a capacidade efetiva de obter a recuperação. A legislação permite que se recorra demais e que um bom advogado retarde um processo por até 20 anos - diz Hage.

"Roubar dinheiro público tem sido bom negócio"

É bastante incomum a condenação de corruptos. Lucas Furtado lembra que são raros esses casos, e cita as prisões de Jorgina de Freitas, que comandou um esquema de desvio de recursos da Previdência, e do juiz Nicolau dos Santos Neto, que desviou dinheiro da obra do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo.

- Roubar dinheiro público no Brasil tem sido bom negócio - diz Furtado.

O procurador afirma que o ideal é a ação dos auditores do tribunal chegar no início da obra ou ainda no período da licitação, como tem ocorrido em alguns casos. Lucas cita o exemplo da atuação do TCU nas obras nos aeroportos, realizadas pela Infraero. Essas ações preventivas evitam o desvio do dinheiro e geram economia para os cofres públicos. Somente em 2006, ações como suspensão de licitação, retenção de pagamento a obra irregular e redução de valor de contrato com empreiteiras geraram uma economia de R$5,4 bilhões, segundo o TCU.

O presidente do tribunal, Walton Alencar Rodrigues, afirma que a fiscalização do TCU está mais ágil e que os auditores estão atuando de forma transparente e isenta. Ele diz que está ocorrendo um aprimoramento técnico e que as ações cautelares permitem economia ao erário, o que torna o valor das multas pouco significativo perto dessa economia:

- O TCU está mais operante e o controle, mais ágil. É uma ação apartidária e que atinge administrações de qualquer espectro político.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Antônio Carlos Bigonha, concorda que a morosidade da Justiça é a grande aliada da corrupção e a prescrição do processo, o maior inimigo do Ministério Público:

- Muitas vezes, entre a denúncia e a sentença, ocorre a prescrição, que fulmina de uma vez por todas a acusação. A condenação dificilmente chega e, enquanto isso, o réu vai gastando esse dinheiro, que não se recupera nunca.

O procurador afirmou que está otimista com as recentes ações da Polícia Federal, que resultaram no desmonte de esquemas de corrupção. Ele atribui o sucesso dessas operações a uma inédita parceria entre polícia, Ministério Público e Poder Judiciário.

Mas o presidente do TCU quer mais poderes para o tribunal, e defende que os auditores possam pedir a quebra do sigilo bancário dos envolvidos nos casos de corrupção.