Título: A chegada de um gigante na pequena Juruti
Autor: Awi, Fellipe
Fonte: O Globo, 03/06/2007, O País, p. 13

Empresa americana leva empregos para cidade da Amazônia, mas MP e prefeito reclamam de danos.

JURUTI (PA). Para chegar à primeira cidade do Pará banhada pelo Rio Amazonas, o progresso dispensou o barco. Mas parece estar provocando um cataclismo. De um lado, a maior empresa de alumínio do mundo; de outro, o Ministério Público e a prefeitura, num conflito que reproduz, em outras proporções, o embate em torno da construção de hidrelétricas no Rio Madeira, também na Amazônia. Desde que começou a instalar uma mina de bauxita no pequeno município de Juruti, a companhia americana Alcoa, apesar dos empregos que já levou e que vai gerar, enfrenta a resistência de uma parte da população, de procuradores e do atual prefeito.

Para começar a extrair 2,6 milhões de toneladas do minério por ano a partir de junho de 2008, a empresa trouxe milhares de funcionários, gente de fora em busca de empregos, e também novos problemas para Juruti. Seria apenas a mudança na rotina pacata dos moradores se não viesse acompanhada, segundo o Ministério Público Federal e do Pará, da contaminação da água, da invasão de assentamentos e de uma série de danos sociais e ambientais. Por isso, há duas semanas, as duas entidades pediram à Secretaria Estadual de Tecnologia e Meio Ambiente (Sectam) a suspensão das licenças da Omnia Minérios, subsidiária da Alcoa no Brasil. A empresa, porém, diz que o poder público é que não se preparou e não tem conseguido garantir o desenvolvimento sustentado.

- O projeto desconsidera impactos ambientais e sociais e prevê medidas compensatórias insuficientes. Juruti vive um caos social. Já havíamos alertado a empresa numa ação civil pública de 2005, antes de o governo do Pará dar o licenciamento, mas fomos ignorados - diz o procurador da República Daniel Avelino, do MPF de Santarém.

Em hospital, número de atendimentos cresceu 56%

Situada a 12 horas de barco de Santarém, subindo o Rio Amazonas, a cidade tinha, até 2006, 37 mil habitantes, um hospital de 28 leitos, 17 carros, duas caminhonetes, 11 caminhões e dois microônibus. Desde setembro, a população, segundo a prefeitura, inchou em cerca de 30%, e a frota beira agora os 500 carros. No mesmo e único hospital, o número de atendimentos cresceu 56%, e o de exames, mais do que dobrou.

- A Alcoa não previu que nossa demanda de serviços aumentaria. Tinha que nos ajudar a preparar a cidade antes de começar as obras. Nossos serviços estão estrangulados, hospitais e escolas, superlotados, e a criminalidade aumentou. Nem lugar para a gente botar todo o lixo tem mais - diz o prefeito Henrique Costa (PT).

O problema mais grave foi a epidemia de hepatite A, que, segundo o MP, foi causada pelo despejo de dejetos nos igarapés e no lago que abastecem a cidade. A empresa nega e diz que não há prova de suposta responsabilidade da companhia. Segundo a Secretaria de Saúde, foram 121 casos de janeiro a abril, contra 26 no ano passado. Elas teriam bebido água contaminada com coliformes fecais.

- Se chegarem duas pessoas no hospital hoje em situação grave, uma vai morrer - afirma a secretária-adjunta de Saúde, Ariadnes Beth.

O comerciante André Braga já experimentou os dois lados do progresso que chega a Juruti. Na sua loja, ele vendeu 270 toneladas de carne nos primeiros três meses de 2007 contra apenas 42 no mesmo período do ano passado. Nesse mesmo tempo, suas três filhas contraíram hepatite.

Outro problema é o crescimento da prostituição, apontada como causa do aumento de 27% de mães adolescentes e de 70% de doenças sexualmente transmissíveis entre 2005 e 2006.

- Vieram muitos homens para cá. Sem oportunidades, as meninas daqui acabam entrando nessa - diz o químico Adenilson Barbosa, um estudioso das águas de Juruti.

Elivaldo Ribeiro, que chegou de Oriximiná com a mulher, invadiu um terreno próximo a um dos alojamentos da Alcoa:

- Na Amazônia, só se fala em Juruti. Veio gente desempregada até do Acre.