Título: Estado de choque nos aeroportos
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 03/06/2007, Economia, p. 31

NÓ DA AVIAÇÃO

País precisa investir mais R$10 bi, o triplo do previsto no PAC, para evitar novo caos aéreo.

Os R$3 bilhões em investimentos para melhorar a infra-estrutura aeroportuária brasileira que constam do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) são suficientes apenas para atender ao aumento da demanda nos principais terminais até 2010 - quando o volume de passageiros subirá dos atuais 118 milhões para 158,3 milhões. Mantido o ritmo de expansão da aviação civil a uma média de 12% ao ano, já em 2009 será necessário montar um novo plano de pelo menos R$10 bilhões, mais do que o triplo prometido pelo governo para evitar novo caos aéreo em quatro anos. Sem recursos suficientes para fazer frente ao desafio, o Executivo começou a estudar, com a bênção da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, parcerias com a iniciativa privada, que poderia até mesmo assumir aeroportos.

A previsão a que O GLOBO teve acesso foi elaborada pela própria Infraero, estatal que comanda os 67 aeroportos mais importantes do Brasil. O número é baseado nas promessas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país), acima de 4,5% ao ano, e na expectativa de que o movimento nos terminais chegará aos 200 milhões de usuários em 2018. Segundo o presidente da estatal, brigadeiro José Carlos Pereira, o Palácio do Planalto já foi alertado.

Empresas privadas podem fazer parcerias com governo para investir em aeroportos

Estão incluídos nos cálculos a construção de um terceiro aeroporto em São Paulo, que custaria entre R$2,5 bilhões e R$3 bilhões, além da terceira pista de Guarulhos. Consolidada como porta de entrada de estrangeiros, a Região Nordeste precisaria de outros dois terminais, em Recife e Fortaleza, onde não há espaço para ampliações.

Os números também consideram a necessidade de adaptação das pistas de pouso para o fluxo intenso de aviões de nova geração (800 passageiros), que precisam de pistas de 60 metros de largura, quando as brasileiras têm 45 metros, e pequenas reformas em praticamente todos os terminais.

Uma das alternativas em fase inicial de discussão para garantir recursos é transferir parte desses investimentos ao setor privado. A primeira iniciativa em debate é a construção do aeroporto São Gonçalo do Amarante, em Natal (RN). A obra custará R$500 milhões e está sendo tocada aos poucos pelo Exército.

- Ainda temos de definir qual será a melhor forma, concessão (quando se faz um leilão e a operação fica 100% privada, sem qualquer participação da União) ou PPP (Parceria Público-Privada) - disse Pereira, acrescentando que ainda falta uma decisão de Estado.

Segundo Pereira, a idéia de permitir que o setor privado faça as obras e explore o serviço por um determinado período pode virar uma realidade a curto prazo no segmento de transporte aéreo de cargas, onde há empresas interessadas em investir. Ele explicou que uma companhia poderá construir um armazém, por exemplo, no aeroporto da Infraero (bem da União) e firmar um contrato de concessão por 40 anos. Depois desse prazo, a firma passaria a pagar aluguel.

- Já estamos incentivando as parcerias na área de cargas em alguns aeroportos - disse Pereira.

Ele citou como exemplos os aeroportos de Porto Alegre e Curitiba, que enfrentam dificuldades nessa área. Mas esse tipo de ação poderá ser tomada em outros terminais como Confins (Belo Horizonte), Manaus e Guarulhos:

- Com o dólar baixo, as importações estão crescendo de forma acelerada e em pouco tempo podemos ter problemas em Guarulhos, o maior no segmento.

Para o professor da Coppe/UFRJ Respício do Espírito Santo, uma saída seria individualizar a administração dos grandes aeroportos. Segundo ele, além de dar maior transparência, a medida aumentaria a eficiência e a concorrência entre terminais e empresas aéreas. Uma das formas seria repassar alguns aeroportos para estados e prefeituras, que poderiam montar parcerias com o setor privado. Congonhas e Santos Dumont, citou, poderiam ser entregues aos municípios, diretamente ou via nova empresa pública.

Empresas aéreas dizem que, sem investimentos, vai faltar pátio para aviões

O professor defende que, caso se decida pela privatização, ela seja feita em módulos (quem arrematar um grande aeroporto leva também outros menos rentáveis), a fim de evitar que os terminais onerosos e com pouco movimento sobrem para o governo. O ideal, frisou, é que, num país com as dimensões do Brasil, se adote um modelo misto, com alguns aeroportos nas mãos na iniciativa privada e outros com o poder público, o que ocorre em países como Estados Unidos, Inglaterra, Austrália e Canadá.

Já o consultor Paulo Sampaio não acredita em privatização no atual governo. Mas defende as PPPs como alavanca essencial aos investimentos no setor. Presidente do Sindicato das Empresas Aéreas (Snea), José Márcio Mollo acredita que os empresários precisam ser chamados a contribuir:

- Se não houver aceleração dos investimentos nos próximos cinco anos, vai faltar pátio para estacionar aviões.

O consumidor, por sua vez, fica à espera de solução para o setor. Usuário assíduo da ponte aérea Rio-São Paulo, Rodrigo Moura, de 36 anos, mora no Rio, mas passa a semana na capital paulista trabalhando como consultor de negócios da Texaco. Ele conta que já ficou seis horas (o mesmo tempo que a viagem de ônibus até o Rio) esperando para embarcar no aeroporto de Congonhas.

- Toda sexta-feira, quando vou para Congonhas, é um desespero - diz ele, que, precavido, montou um "kit ponte aérea", com livros, revistas e agenda para enfrentar os atrasos.

COLABOROU Lino Rodrigues