Título: Países da Europa passam por nova onda de privatizações nos aeroporto
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 03/06/2007, Economia, p. 32
NÓ DA AVIAÇÃO: Fórmulas variam e alguns Estados mantêm participação.
Aumento de tráfego aéreo leva governos a venderem controle, diz associação.
PARIS. Vinte anos depois de o Reino Unido ter-se lançado na privatização dos aeroportos, outros países da Europa, inclusive a França, estão seguindo o mesmo caminho. A nova onda de privatizações no continente é recente e diversificada: as nações estão adotando fórmulas diferentes, constata o Conselho Internacional de Aeroportos (ACI, na sigla em inglês), que reúne 220 organizações operando 616 aeroportos no mundo.
Mas uma coisa é certa: poucos aeroportos estão 100% nas mãos do setor privado. Apenas 20 empresas proprietárias de aeroportos têm cotação em bolsas. O ACI acha que o aumento do tráfego aéreo internacional vai levar a algum tipo de privatização de aeroportos. A solução, entretanto, na maioria dos casos, tem sido uma mistura entre público e privado. Robert Aaronson, diretor-geral do ACI, explica:
- Há algumas razões pelas quais os governos, que eram proprietários dos aeroportos, continuam a manter interesse no setor. Uma delas é a natureza dos aeroportos, que são considerados como tendo uma característica única na comunidade e na região. Os governos não têm mais o controle dos aeroportos, mas mantêm uma voz na gestão.
O Reino Unido, que privatizou a British Aeroport Authority (BAA) em 1987, foi pioneiro e é considerado um exemplo bem-sucedido. A BAA, comprado em 2006 por um consórcio liderado pelo grupo espanhol Ferrovial, é dono de aeroportos também em Itália, EUA, Austrália e Europa Oriental.
Suécia, Finlândia e Espanha resistem à privatização
Um dos fatores por trás das privatizações na Europa é o fato de os governos quererem reduzir gastos. Manter a infra-estrutura de um aeroporto se tornou caro, especialmente hoje, com o aumento do tráfego aéreo. Em 2005, os aeroportos no mundo receberam 4,2 bilhões de passageiros, 6% a mais do que em 2004. Empresas detentoras dos aeroportos investiram o recorde de US$36 bilhões para melhorar a capacidade dos terminais, uma alta de 11% em relação a 2004, segundo o ACI. O número de passageiros deve subir para sete bilhões em 2020, com risco de "severo congestionamento", prevê o Conselho.
A competição também está levando aeroportos a se modernizarem. Na Europa, a aviação concorre com outros meios de transporte, sobretudo trem. Aaronson não se arrisca a uma avaliação mais precisa sobre o impacto das privatizações:
- Não houve tempo para julgar de forma objetiva. Mas há muito poucos casos em que a privatização não funcionou.
O ACI diz que a privatização é o melhor caminho, mas reconhece que, em alguns casos, como em Cingapura e Dubai, o governo tem controle total do setor e faz boa gestão. Outros países resistem. Na Suécia, os grandes aeroportos estão 100% com o Estado. O mesmo ocorre na Finlândia e na Espanha.
"Para muitos aeroportos (pouco movimentados), privatização não é uma opção, mas pode trazer o espírito empresarial, diminuir custos e abrir para novas fontes de capital para investimento", diz o documento do ACI.
Em meio ao debate, os aeroportos batem de frente com seus grandes clientes: as companhias aéreas, que se queixam de aumento de taxas após as privatizações. Um documento da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês), que reúne 250 companhias, analisa 12 privatizações no mundo. Conclusão: a medida não trouxe tantos benefícios. O diretor-geral da organização, Giovanni Bisignani, alega que, quando governos entram com ganância, "é desastroso". Segundo a Iata, governos permitiram monopólios ao afrouxarem a regulamentação, para fazer bons negócios nas privatizações.
A Iata entrou ano passado com uma ação judicial contra o governo francês, acusando-o de aumentar as taxas do Charles de Gaulle, a fim de torná-lo mais atraente para privatização. De acordo com a Iata, é o segundo aeroporto mais caro da Europa e o sétimo mais caro do mundo. Os custos por passageiro subiram 44%, e o órgão quer que sejam reduzidos. Aaronson contesta os dados:
- Baseado no nosso conhecimento, a Iata está apresentando números distorcidos.
Modelo da Argentina é considerado desastroso
A França, tradicionalmente relutante a abrir o capital de suas estatais ao setor privado, está mudando. Ao todo, 12 aeroportos regionais deverão mudar de estatuto e passarão a ser Sociedade Anônima Aeroportuária, um primeiro passo (tímido) na direção da privatização. O Estado, inicialmente, será acionista majoritário.
A Iata reconhece que há privatizações bem-sucedidas, como no Reino Unido, que estabeleceu um teto para as taxas e onde o serviço é bom. O mesmo ocorre no Aeroporto de Copenhague, na Dinamarca, privatizado gradualmente desde 1994: o governo ainda detém 34% das ações. Entre os casos desastrosos, está o do aeroporto de Viena, privatizado em 1992: virou monopólio e é o 13º mais caro numa lista de 50. Um dos piores exemplos na América Latina é a Argentina. A privatização do Ezeiza, em 1999, gerou taxas altas, investimento insuficiente, qualidade baixa e monopólio.