Título: Campanhas sob suspeita
Autor: Vasconcelos, Fábio
Fonte: O Globo, 04/06/2007, Rio, p. 8

A MÁFIA OFICIAL

Procurador pedirá informações para saber se lista do bicho tem indícios de crime eleitoral.

OMinistério Público Eleitoral decidiu pedir informações ao procurador que atua na 6ª Vara Federal Criminal sobre o relatório da Polícia Federal que aponta supostos pagamentos da máfia do bicho e dos caça-níqueis a 12 pessoas, entre elas políticos e policiais. O relatório, anexado ao inquérito da Operação Hurricane, desencadeada em abril pela PF, foi produzido a partir da apreensão de uma lista manuscrita, que estaria numa casa usada por Luciano Andrade do Nascimento, o Bola, e Júlio César Guimarães Sobreira, sobrinho de Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, preso acusado de comandar a máfia dos jogos.

O procurador, Rogério Nascimento, explicou que precisa conversar com seu colega para saber se há mais dados no inquérito que indiquem a prática de crime eleitoral, para então decidir que medidas poderão ser tomadas. Uma das dúvidas é saber se existem indícios de que os supostos repasses tiveram relação com as eleições de 2002:

- Preciso conhecer o conteúdo do relatório antes de qualquer providência. Por isso vou conversar com o procurador Marcelo Freire para saber se existe indício que justifique uma investigação, porque esses fatos, pelo que vi nos jornais, são de 2002 e 2001 - disse Nascimento.

Repasses chegariam a R$5,4 milhões

Pelas anotações da lista, os pagamentos foram crescentes à medida em que se aproximavam as eleições, no início de outubro de 2002. Em agosto daquele ano, teriam sido pagos R$905 mil. No mês seguinte, R$1,1 milhão. Já em outubro, os valores caíram para R$630 mil. Após o mês das eleições, houve apenas R$155 mil em repasses. A contabilidade da máfia dos jogos, analisada pela PF, indicam, supostamente, a ex-governadora do Rio Rosinha Garotinho, então candidata, como uma das maiores beneficiadas pelos recursos em agosto (R$ 400 mil), setembro (R$600 mil) e outubro (R$600 mil) de 2002. Rosinha negou ter recebido as doações e afirmou que suas contas foram aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral.

No total, os 12 políticos e policiais identificados pela PF na contabilidade teriam recebido repasses que chegariam a R$5,4 milhões. A maior parte (80%) foi paga em 2002. Embora apareçam nomes de políticos, a abreviação de uma anotação na lista tem intrigado a polícia. Um beneficiário misterioso, identificado pela PF apenas como "JO/PAU" - embora a grafia possa ser interpretada também como "JO/Pan" - teria sido quem mais recebeu dinheiro entre 2001 e 2002: R$2,5 milhões. Desse total, R$1 milhão ocorreu em duas parcelas de R$500 mil, em novembro e dezembro de 2001. No relatório feito pela PF, a abreviação é seguida de uma interrogação, já que não foi identificada. Os outros repasses para este beneficiário ocorreram em janeiro e março de 2002.

Ontem, o ex-deputado federal e ex-presidente da Liga das Escolas de Samba do Rio (Liesa), Paulo Almeida, que aparece nas anotações como beneficiário de R$30 mil, admitiu ter recebido o repasse. Almeida contou, porém, que o dinheiro era para o carnaval. Ele negou que os recursos tenham sido usados na campanha.

A lista com os nomes dos políticos, que negam ter recebido qualquer contribuição eleitoral da máfia do bicho e dos caça-níqueis, estava numa mala preta, numa casa, na Barra da Tijuca. Na mesma operação, os policiais apreenderam R$1, 9 milhão em espécie. Luciano Andrade, o Bola, é acusado de fazer pagamentos de propinas a políticos, policiais e servidores públicos. De acordo com o relatório da PF, peritos do Instituto Nacional de Criminalista, a pedido da Diretoria de Inteligência Policial (DIP), confirmaram que a letra que aparece dos papéis recolhidos na casa usada por Bola é de Júlio Guimarães. Capitão Guimarães, tio de Júlio Guimarães, é ex-presidente da Liesa.

Uma nova operação, envolvendo policiais que recebiam dinheiro da máfia do bicho e dos caça-níqueis, está sendo programada pela PF. Segundo uma fonte do GLOBO que não quis se identificar, cerca de 40 policiais serão presos nos próximos dias. Eles são acusados de receber propina para não prejudicar o funcionamento do jogo do bicho e de bares que têm caça-níqueis na capital e no interior.