Título: Tudo bem, mas...
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 05/06/2007, Economia, p. 26

Há uma lista impressionante de boas notícias sobre o Brasil: a inflação está estável e abaixo da meta, o superávit comercial alto, o risco-país em queda, as agências de risco já promoveram o Brasil, a dívida pública/PIB tem diminuído, o balanço de pagamentos é superavitário, e a dívida externa hoje é menor que as reservas. Mas os juros... ah, os juros continuam altos.

A última queda dos juros de 0,5 ponto percentual aconteceu em novembro do ano passado. Na primeira reunião deste ano, em janeiro, o Banco Central reduziu o ritmo.

Na última vez em que cortou meio ponto, o risco-país estava em 221 pontos e o dólar, a R$2,16.

Na última reunião do Copom, em abril, o dólar já estava em R$2,03 e o risco-país, em 155.

Em resumo, de novembro para cá, a queda foi de 36% no risco-país e de 12% no dólar. Depois disso, foram três reuniões com quedas de juros menores, de apenas metade de 0,5 ponto percentual. Hoje o dólar está em R$1,92. E o risco nos 143 pontos. A inflação não tem dado sinais de voltar. Está, no acumulado em 12 meses, em 3%.

Quando o Banco Central decidiu reduzir o ritmo de queda das taxas de juros, o contexto era um tremor nas bolsas e nos ativos financeiros no mundo inteiro que estava sendo visto por alguns economistas como o risco de ser o início de uma crise. Outros tinham uma visão mais otimista, mas o fato é que havia muita incerteza. Tanto no mercado, quanto na economia americana, que dava alguns sinais de desaceleração.

Agora, a situação está mais clara. A economia americana, realmente, reduziu um pouco o ritmo de crescimento, mas os piores prognósticos sobre recessão a curto prazo foram afastados.

Mercados sempre podem entrar em queda de repente. Até porque subiram muito. A bolsa da China caiu forte ontem, mas está hoje 1,5 vez maior que há 12 meses. Na quinta-feira passada, após uma queda de 6,5% no pregão, 426 mil pessoas abriram contas para atuar na bolsa da China.

O volume negociado tem aumentado aqui e no mundo inteiro. No Brasil, o volume médio diário subiu 55% este ano, depois de ter subido 51% no ano passado. Hoje o volume é sete vezes maior que em 2002.

Os números aumentam a convicção de alguns analistas de que, em algum momento, pode haver uma onda de queda e perdas, mas o fato é que hoje o mercado de bolsa é muito mais forte no Brasil do que jamais foi. Ele é volátil e pode cair, sim, porém o que o país vem mostrando ano após ano é a consolidação da estabilidade.

O Brasil tem agora superávit em transações correntes, como tem tido há vários anos. O déficit, que chegou, no acumulado em 12 meses, a US$33,7 bilhões em janeiro de 1999, virou hoje um superávit de US$14 bilhões.

O superávit comercial de US$46 bilhões - mantido contra todos os prognósticos - mostra que o mercado brasileiro continuará ofertado de dólares. Além dos que chegam através do comércio, entram também os de investimento direto e os de portfólio. Não virão pressões inflacionárias pelo lado do câmbio; pelo contrário, o mais provável é a continuação da pressão deflacionária.

A inflação está em 3% no acumulado de 12 meses e deve subir um pouco ao longo do ano, segundo o professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio:

- A alta de preços de alimentação este ano está maior que a média de 2005 e de 2006 neste mesmo período. Está subindo um pouco desde o fim do ano passado, mas nada que preocupe. Acho que é pela variação do clima. Mas não há pressões maiores em tarifas, vestuário, transportes e remédio. Pode terminar o ano em 3,5%.

Ele conta que, desde outubro, a inflação anualizada tem rodado em 3%. Vai subir um pouco exatamente porque a alimentação pode pressionar. O IPCA de maio deve ficar em 0,25%. De qualquer maneira, a inflação atual está 1,5 ponto percentual abaixo da meta, o que é uma grande diferença.

Luiz Roberto Cunha comentou também que a queda do dólar começa a puxar para baixo até a inflação de serviços.

- Por exemplo, conserto de geladeira está caindo de preço porque as peças estão mais baratas.

O quadro é de tranqüilidade na economia. Há vários problemas no país, na área política, por exemplo, mas nada que entre no campo de visão dos integrantes do Copom.

Não há razão para manter este mesmo ritmo de tartaruga de queda da taxa de juros, em metade de meio ponto percentual a cada 45 dias. O Banco Central tem todo o espaço para voltar a cortar os juros em 0,5 ponto percentual. Afinal, se o fizer, terá juros de 12% para uma inflação de 3%, o que, convenhamos, é alto demais.

O economista Octavio de Barros, do Bradesco, acha que a queda dos juros que já houve está transformando a economia brasileira:

- Estamos migrando de uma economia rentista de três décadas de juros acima de 20% para uma economia focada nos negócios. É só ver a febre dos IPOs (oferta inicial de ações de uma empresa). Daqui a um par de anos, com juros mais compatíveis com os dos emergentes, teremos um paradigma jamais visto.

A dúvida é por que esperar um par de anos. Pode ser que, até lá, já tenha passado o melhor momento.