Título: Reabilitar as CPIs
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 07/06/2007, O Globo, p. 2

E foram-se todos passar o feriadão nos estados deixando, entre outras pendências, a instalação da CPI da Navalha, destinada a investigar relações perigosas (mas não desconhecidas) entre políticos e empreiteiras. É sabido e reconhecido que a Gautama não é a única empreiteira que se vale de políticos (ajudando suas campanhas) e de servidores públicos (corrompendo-os) para abocanhar obras ou superfaturá-las. A CPI poderia levantar todo o véu, mas hoje em dia CPIs já não metem medo em ninguém. Foram desmoralizadas pelos próprio congressistas.

Há quem jure que outras empreiteiras estavam incomodadas com o crescimento da Gautama, logo agora que há um PAC e ela tinha conexões para ficar com boa parte das obras. Digamos que a PF só investigou a empresa de Zuleido Veras porque só nela esbarrou, quando fazia as escutas da Operação Octopus, que investigou relações tortuosas entre delegados e agentes federais e uma máfia baiana do ramo de segurança. A Operação Navalha revelou uma parte da engrenagem e a CPI Mista poderia fazer o resto, desvendar toda a trama, devassar as obras públicas dos últimos anos, identificar os políticos que as viabilizaram e descobrir o que ganharam para isso. Poderia auditar obras e custos e calcular a sangria de recursos públicos que escorreu para as empreiteiras sob a forma de medições alteradas e preços superfaturados.

O número regimental de assinaturas para a CPI da Navalha foi conseguido primeiramente no Senado e agora na Câmara. Mesmo assim, não houve segurança para a instalação. Ninguém sabe quantos deputados já pediram a retirada da assinatura, por pressão do governo, de governos estaduais, de seus partidos ou de seus financiadores. Nem sabem os governistas quantas assinaturas de reserva a oposição pode ter.

Seja qual for o desfecho, o fato é que as CPIs andam tão desmoralizadas que o governo já se dá ao luxo de desdenhá-las. Ontem, o ministro Walfrido dos Mares Guia lembrou que Lula foi reeleito com mais de 20 milhões de votos de frente, apesar de ter sido acossado por três CPIs. Lembrou que a mais ruidosa delas, a CPI dos Bingos, nas conclusões, não mencionou o nome de um só dos tantos criminosos do ramo indiciados pelas Operações Hurricane e Têmis. E esta CPI tudo investigou mas procurando, sobretudo, a bala de prata contra Lula.

Depois de terem recebido o selo de confiança da população, após a CPI do PC, começou a definhar este importante instrumento de que dispõem os parlamentos para exercer a prerrogativa fiscalizatória. A CPI dos Anões do Orçamento, que veio em seguida, já produziu acordos e conchavos para salvar uns e outros, e deixou no esquecimento as empreiteiras. O senador Pedro Simon clamou anos no deserto pela CPI dos Corruptores. No governo Lula, elas perderam de vez a eficiência, embora as denúncias, como a de Roberto Jefferson, exigissem mesmo uma CPI. Acabaram sendo instaladas três. A dos Correios, que achou o valerioduto do PT-Marcos Valério, não demonstrou a existência do mensalão (provou apenas as transferências ilegais para partidos aliados). Em todas, o que se viu foram espetáculos deprimentes de cinismo, como o protagonizado por Delúbio Soares e associados. Se o governo obstruía, a oposição distorcia. Na ânsia de pegar Lula, atropelou ritos e procedimentos, fugiu do objeto determinado, forçou a barra na produção de provas e humilhou testemunhas. Pelo visto, não agradou. No fim, o plenário acabou de desmoralizar a CPI, transformando seu resultado na grande pizza da absolvição da maioria dos acusados. Só uma coisa pode tirar as CPIs da UTI do descrédito: uma boa CPI, em que a investigação séria sobreponha-se à luta política. Ainda é tempo.