Título: 'RCTV não apoiou golpe'
Autor:
Fonte: O Globo, 07/06/2007, O Mundo, p. 34

Diretor do "El Nacional" rebate acusação sobre a mídia em 2002

Diretor do jornal "El Nacional", Miguel Henrique Otero lembra-se dos acontecimentos tumultuados de 2002, apontados como a principal causa para a recusa em renovar a concessão da RCTV. Ele nega que a emissora e outros meios de comunicação tenham participado de articulações para o golpe que afastou brevemente Hugo Chávez do poder. Conta que as emissoras apoiaram os protestos, como fazem hoje, e diz que o país vive sob uma "liberdade ameaçada". "Golpistas vão a julgamento. Aqui só houve um discurso", observa por telefone ao GLOBO.

Cristina Azevedo

Qual foi o papel das emissoras de TV no golpe de 2002?

MIGUEL HENRIQUE OTERO: Houve um processo de muito confronto, de muita força dos meios de comunicação. A mídia foi muito ativa no apoio aos protestos, como está sendo agora. Ativa no sentido de publicar os fatos, apoiar os manifestantes, os protestos pela liberdade. Nós sempre vamos apoiar esse tipo de movimento.

O PT publicou uma nota em apoio ao presidente Chávez e dizendo que a RCTV apoiou o golpe. Qual foi o papel de RCTV em 2002?

OTERO: Isso foi uma decisão política que tomou o Partido dos Trabalhadores porque tem uma relação geopolítica. A RCTV não apoiou nenhum golpe. O que fez naquele momento foi apoiar as pessoas que protestavam nas ruas. Isso foi um conceito criado pelo chavismo posteriormente.

E outros meios, como Venevisión e Televen, por exemplo?

OTERO: Na época eram mais independentes e apoiaram manifestantes. Hoje, Venevisión e Televen têm uma política editorial diferente, não têm a mesma contundência da época.

Alguma emissora fez oposição mais forte a Chávez?

OTERO: Todas eram mais ou menos iguais.

O governo venezuelano diz que alguns diretores de televisão participaram de uma reunião com os golpistas em 2002. O que aconteceu?

OTERO: Bom, a mídia sempre se reuniu com as pessoas do poder. Mas isso é uma coisa. Outra é dizer que os meios de comunicação articularam um golpe. Que se reuniram na Presidência naquele momento (quando Pedro Carmona assumiu o poder), é normal. Carmona os convidou, e eles foram.

O presidente se queixa de que os canais não mostraram sua volta ao palácio, exibindo desenhos animados. É verdade?

OTERO: Em parte. Foi um dia de grande confusão, e as TVs não exibiram notícias. Em seguida, passaram a realidade, que Chávez regressara ao poder. No nosso caso, não pudemos circular porque os partidários de Chávez queriam tomar a zona e sindicatos chavistas não permitiram que imprimissem jornais, mas publicamos tudo o que ocorria na internet.

Às medidas contra a RCTV podem se seguir outras?

OTERO: Podem, porque são arbitrárias. Desta vez, Chávez cometeu uma ilegalidade: não renovar a concessão da RCTV sem abrir processo administrativo. Ele disse: "Não renovo a concessão da RCTV porque são golpistas." Mas não houve processo. Golpistas vão a julgamento militar em todos os países. Aqui só houve um discurso.

O governo diz que há liberdade e que uma prova disso são as manifestações nas ruas. Há liberdade para os meios de comunicação?

OTERO: Há uma liberdade ameaçada. Uma liberdade onde não renovam concessão, ameaçam a Globovisión de fazer o mesmo e onde o governo desenvolve campanha de desprestígio contra os meios independentes. Diz que os meios são agentes do imperialismo, que são financiados pela CIA, que não publicam a verdade. Mas não especificam que mentiras são essas.

Esperava-se uma reação tão forte?

OTERO: Não se imaginou que uma força maciça de estudantes ia aparecer com a bandeira da paz. Por isso o governo está tão preocupado. Não sabe como parar isso, diz que os partidos políticos estão por trás. Mas os estudantes recusaram os partidos, têm um discurso de paz e não querem derrubar Chávez, querem liberdade.

Os jornais enfrentam problemas?

OTERO: Na verdade, não muitos. Publicamos o que queremos. Há discriminações publicitárias, mas não tanto quanto antes. Estão concentrados nas televisões.

Por alcançarem um público maior?

OTERO: Não sei. Mas não esperavam que 80% rechaçassem a decisão, incluindo setores do chavismo. Isso tomou de Chávez dez pontos nas pesquisas, e ele é muito sensível a isso.

Isso pode frear uma ação contra Globovisión?

OTERO: Acredito que sim.