Título: A dimensão política do câncer
Autor: D'Angelo, Chico
Fonte: O Globo, 08/06/2007, Opinião, p. 7

Segundo projeção da Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de novos casos de câncer aumentará de 10 para 15 milhões, nas próximas duas décadas, sendo 60% registrados nos países em desenvolvimento. No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima a cada ano em mais de 470 mil novos casos de câncer, que já representa a segunda causa de morte, com mais de 130 mil óbitos anuais.

Com a missão de assessorar o Ministério da Saúde na formulação de estratégias de combate ao câncer, o Inca acumulou excelência ao longo de 70 anos de existência, sempre com o desafio de oferecer o melhor atendimento à população, em que pese a deficiência orçamentária e de infra-estrutura.

É louvável o trabalho realizado pela direção e corpo médico do instituto, que mesmo na adversidade consegue se atualizar quanto aos avanços tecnológicos que surgem para o tratamento clínico da doença. Um exemplo histórico foi a introdução da radioterapia, que permitiu o tratamento, mas, na maioria dos casos, ainda não a cura. À época, era o primeiro tratamento paliativo de relativa eficácia.

Hoje, o Inca propõe um novo e decisivo passo para o combate ao câncer, que é o reconhecimento da entidade não como objeto de uma especialidade médica, mas como fomentador de políticas de saúde pública. Esta nova compreensão impõe uma abordagem multidisciplinar, exige o envolvimento de toda a rede de serviços de saúde e convoca os diferentes espaços da sociedade brasileira para o enfrentamento de um problema que só se tornará maior e mais oneroso. Por isso, o instituto direciona seu foco de atuação para a estruturação da Rede de Atenção Oncológica, um campo de atuação que aglutina novos atores sociais e permite a incorporação de um leque ampliado de iniciativas.

Tal como acontece em outros países e que possuem um sistema nacional de saúde organizado, a exemplo do Canadá, o controle do câncer há de ser um ponto obrigatório na pauta de discussão do Congresso Nacional. Comissões das duas casas legislativas, e a Frente Parlamentar da Saúde, devem se dedicar a um debate abrangente, sobretudo na conjuntura de um país em desenvolvimento como o Brasil.

Consideradas as características do nosso Sistema Único de Saúde (SUS), como garantir um processo ágil de renovação do sofisticado parque de equipamentos necessários ao diagnóstico e ao tratamento? Como garantir a incorporação crítica de novas drogas de comprovada eficácia? Como manter uma remuneração razoável dos procedimentos aos prestadores de serviços do SUS? Como garantir recursos para as ações de prevenção e detecção precoce, que têm impactos significativos sobre os índices e mortalidade da doença?

Respostas a questões como estas vão além da esfera da saúde e os aspectos meramente técnicos da medicina. São questões que precisam ser corajosamente debatidas no Congresso, para que a sociedade brasileira, de forma esclarecida e consciente, participe das decisões de ordem econômica que envolve o problema.

É evidente que a parcela do Orçamento que cabe à saúde não é suficiente para fazer frente ao drama que aflige milhões de brasileiros, que dependem da rede pública para atendimento clínico. A tomada de decisões políticas, como a quebra de patentes de medicamentos, também é assunto que deve entrar na pauta do Congresso.

A OMS estima que cerca de 50% de todos os avanços nos tratamentos disponíveis na área de saúde atualmente não existiam há dez anos atrás. A velocidade das inovações científicas, nesse início de milênio, não tem paralelo com outros momentos da História da Humanidade.

A experiência dos países desenvolvidos nos ensina que o número de casos de câncer será crescente, mas que a mortalidade não precisa, necessariamente, reproduzir a mesma trajetória ascendente. Além da indispensável incorporação de novos saberes - relativos à doença e aos doentes -, e do progresso técnico proporcionado pelas pesquisas, impõe-se a tomada de decisões políticas, que poderão garantir uma qualidade de vida melhor para a população brasileira.

CHICO D"ANGELO é médico e deputado federal (PT-RJ).