Título: O desacordo do clima
Autor: Berlinck, Deborah e Magalhães-Ruether, Graça
Fonte: O Globo, 09/06/2007, Economia, p. 27

Ricos querem que emergentes reduzam emissões para não perder na disputa econômica.

Odebate sobre a mudança no clima do planeta não apenas dominou a cúpula do G-8 (o clube dos sete países mais ricos do mundo mais a Rússia) como confirmou um racha crescente entre ricos e emergentes, como o Brasil, na questão. Pressionadas pelos Estados Unidos e pela Europa a se comprometerem a reduzir emissões dos gases que estão causando o aquecimento global, nações em desenvolvimento como China, Índia e Brasil fincaram o pé: cabe aos ricos, que mais poluíram, arcar com a maior parte da conta. Como baixar emissões implica mudar um modelo econômico poluidor, o debate do clima virou, essencialmente, uma disputa econômica.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem aos líderes dos países ricos que o Brasil não vai aceitar nenhum compromisso que iniba seu crescimento econômico:

- Fica bastante visível que os países mais pobres e os em desenvolvimento têm muito a ver com essa discussão (sobre mudanças climáticas), para evitar que a discussão sobre a questão climática seja um instrumento de inibição de crescimento dos países pobres e em desenvolvimento.

Mas o argumento não convenceu o G-8, como demonstrou a chanceler alemã Angela Merkel, atual presidente do G-8, ao dizer:

- Os países do G-5 (Brasil, China, Índia, África do Sul e México) disseram que não querem reduzir o crescimento. Mas a questão é se não é possível um acoplamento do crescimento econômico com redução de CO2 (gás carbônico) através de maior eficiência de energia - disse.

Lula reclama de contradições

Também o novo presidente francês, Nicolas Sarkozy, foi direto ao ponto:

- Se os chineses e os indianos emitirem a mesma quantidade de gases de efeito estufa que os americanos, considerando o número de indianos e chineses, vocês verão a catástrofe que isso vai provocar.

Lula reconheceu como uma "conquista importante" o fato de que todos concordam que mudanças climáticas são um problema que precisa ser combatido "com certa urgência". Foi u ma alusão à resistência do governo de George W. Bush, que passou anos ignorando o problema e rejeitando negociações internacionais sobre o tema, mas anunciou uma semana antes da cúpula do G-8 uma nova iniciativa para controlar o aquecimento global.

Mas Lula não escondeu o racha quando frisou que há "contradições" entre o documento conjunto do G-5 e da presidência alemã, e outro documento que foi apresentado como declaração do G-8. Lula falou disso na reunião, ontem, dos países emergentes com o G-8, da qual o presidente americano não participou por estar com distúrbio gastrointestinal.

- Fiz questão de começar a reunião (ontem, do G-8 com o G-5) dizendo que tinha coisas no documento do G-8 que não tinham sido discutidos por ninguém. Portanto, não poderíamos concordar - disse Lula.

Foi o item 53 da declaração do G-8 que irritou o G-5 e o Brasil, em particular, e gerou uma verdadeira batalha diplomática nos bastidores. O texto usa expressões como "principais economias emissoras (de gases)", que não existem na Convenção de Mudanças Climáticas, acordo assinado no Rio em 1992, considerado o grande marco na questão. Ao usar a expressão "principais economias emissoras", o G-8 estaria incluindo entre os poluidores países como Índia e China ou Brasil. Na Convenção, bem como no Protocolo de Kioto, que estabelece metas de redução das emissões de gases, fica claro que são os países ricos os principais responsáveis pelas emissões.

A Europa, que tem um discurso favorável ao combate da mudança climática, aumentou suas emissões entre 2005 e 2006. Os europeus e os americanos temem que, ao fazerem ajustes sozinhos, vão perder em competitividade para países como China.

Para o governo brasileiro, a posição é clara: assim como os ricos tiveram a oportunidade de crescer e se desenvolver livremente no passado, os emergentes querem o mesmo direito. E, se ajustes são necessários no modelo, que ele seja feito primeiro pelos ricos.

Promessa de diálogo com emergentes

A reunião do G-8 terminou ontem com promessas dos países ricos de abrir um diálogo mais estruturado com os emergentes, chamado de Processo de Heiligendamm, nome do balneário alemão onde os líderes se encontraram. A primeira fase vai durar dois anos.

O comunicado conjunto da presidência do G-8 com os países do G-5 diz que este diálogo vai se estender até a cúpula do grupo dos mais ricos de 2009 nos seguintes temas: promoção de investimentos, pesquisa e inovação, desenvolvimento, sobretudo da África, e cooperação científica na área de eficiência de energia. Em 2009, ele vão avaliar o progresso do diálogo e decidir como continuar. Haverá uma reunião preparatória de ministros dos dois grupos antes da Assembléia Geral das Nações Unidas. A primeira reunião do Processo de Heiligendamm não tem ainda data marcada, mas vai acontecer no segundo semestre.

Os países do G-5 pressionaram para que, nos próximos encontros do G-8, os emergentes participem inclusive das discussões prévias. O presidente Lula, em particular, se queixou do fato de as nações em desenvolvimento não terem sido consultadas na elaboração dos documentos finais do G-8.

A cúpula do G-8 também fez ontem uma promessa de ajuda de US$ 60 bilhões para a África. Mas a medida foi criticada por diversas organizações porque há dois anos o grupo prometeu aumentar a ajuda ao desenvolvimento ao continente anualmente em US$50 bilhões, o que não aconteceu. Segundo Peter Wahl, organizador da "cúpula alternativa", a ajuda prometida agora não é bastante para o combate à Aids, à malária e à tuberculose.

FMI ELOGIA BRASIL E DEFENDE VALORIZAÇÃO DO REAL, na página 28