Título: SUS terá metas e médicos pela CLT
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 10/06/2007, O País, p. 3

Repasse de verbas ficaria condicionado à eficiência na gestão e à qualidade do atendimento.

Ogoverno federal decidiu criar um novo modelo de gestão para hospitais públicos, com fixação de metas de atendimento à população. Os gestores dos hospitais terão que cumprir um número determinado de internações, exames, cirurgias e atendimentos aos doentes que recorrem ao Sistema Único de Saúde (SUS). O repasse dos recursos será condicionado, além das metas, à qualidade do atendimento.

Os hospitais serão administrados dentro do modelo batizado de Fundação Estatal. Os novos servidores dos hospitais serão submetidos ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e poderão ser demitidos. Os atuais servidores públicos têm estabilidade no emprego. Apesar de passarem a ser regidos pela CLT, os funcionários dos hospitais continuariam sendo contratados por concurso público. O Ministério da Saúde pretende implantar o novo modelo primeiro nos hospitais federais. Os estados que aderirem à proposta também poderão adotá-la nas redes públicas vinculadas ao SUS. O texto do projeto, ao qual O GLOBO teve acesso, foi elaborado pela Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento e pelo Ministério da Saúde, e deve ser enviado ao Congresso em breve.

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, argumenta que o novo modelo irá melhorar a qualidade dos serviços prestados aos usuários e flexibilizará a contratação de novos servidores para a saúde. Temporão listou vícios do atual sistema que ele acredita que não se repetirão nos moldes da Fundação Estatal de Direito Privado.

- Primeiro, é o clientelismo. A indicação política para cargo de direção em hospital público e seu uso para fazer favores a amigos e apadrinhados vão acabar. A relação com a sociedade vai mudar radicalmente. A gestão será democrática, com a presença dos usuários no conselho curador - afirmou Temporão ao GLOBO.

Federais do Rio seriam os primeiros

A princípio, as mudanças, se aprovadas pelo Congresso Nacional, serão implementadas nos seis hospitais federais no Rio (Servidores, Bonsucesso, Ipanema, Lagoa, Jacarepaguá e Andaraí), os três institutos (Câncer, Traumatologia e Ortopedia e Cardiologia de Laranjeiras), que também estão no Rio, e o Grupo Hospitalar Conceição, em Porto Alegre (RS). Os seis hospitais do Rio serão controlados por apenas uma fundação. Segundo Temporão, os governadores dos estados de Espírito Santo, Sergipe, Rio de Janeiro, Bahia e Ceará já teriam demonstrado interesse em adotar esse modelo e transformar os hospitais estaduais em fundações.

Mas a proposta do governo não é consenso e sofre resistência de setores da saúde, especialmente de sindicatos e outras entidades. O presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Francisco Batista Júnior, é um dos principais opositores do projeto. Ele já leu o texto e afirmou que as mudanças significam um enorme retrocesso.

"Vai haver discriminação"

Para Francisco Júnior, a contratação de servidores por salários de mercado irá criar distorções, porque cada fundação vai estabelecer o valor desse pagamento.

- O projeto vai criar discriminação dentro de uma mesma categoria. Um farmacêutico pode ser contratado com salário de R$2 mil por uma fundação e outro, por R$3 mil, em outro local. Além da falta de estabilidade do empregado, que poderá ser demitido a qualquer momento se esse projeto for aprovado - criticou o presidente do CNS.

Angelo Dagostini, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de São Paulo, afirmou que o modelo proposto pelo governo federal fere princípios básicos da administração pública, como o da estabilidade no emprego. Dagostini criticou a brecha que será aberta se cada fundação puder contratar seus servidores.

- Essa mudança traz para dentro do serviço público a lógica da disputa privada, da questão salarial. Isso não pode ocorrer - disse Dagostini.

O projeto do governo estabelece a assinatura de um contrato de gestão da fundação com o governo. É nesse documento que serão fixadas as metas anuais e plurianuais a serem atingidas pelos hospitais e também os prazos de execução.

Os dirigentes da fundação estarão sujeitos a penalidades em caso de descumprimento das obrigações pactuadas e também por falhas que venham a ser cometidas. Os bens da fundação serão passíveis de penhora caso as metas não sejam cumpridas.

Temporão não acredita que o novo modelo irá comprometer as principais características do Sistema Único de Saúde (SUS), como a universalidade, a eqüidade e a gratuidade do serviço.

- A instituição continuará sendo controlada pelo Ministério Público, pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e pela CGU (Controladoria-Geral da União). Não há hipótese de que esse novo modelo tenha porta dupla de entrada ou que possa vender serviços para o setor privado. É mais eficiente, e vai dar resposta mais adequada para a sociedade. Os funcionários terão melhores condições de trabalho e de salário. Não se pode é criticar sem antes conhecer. Não pode prevalecer o "hay gobierno, soy contra" de alguns - disse Temporão.