Título: Política externa não muda, apesar de arroubos
Autor: Fernandes, Diana e Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 10/06/2007, O País, p. 8

Especialista afirma que "diplomacia brasileira está sendo muito lenta nas respostas e, quando responde, é pouco firme".

NOVA DÉLHI e BRASÍLIA. Na viagem à Índia semana passada, considerada uma das mais importantes do calendário da diplomacia brasileira este ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teve sossego com as confusões do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, na polêmica com o Congresso brasileiro. E assim tem sido neste segundo mandato. Lula tem um problema atrás do outro, ora com Chávez ora com Evo Morales, o também controverso presidente da Bolívia, e, por vezes, com o regime de Fidel Castro.

- A diplomacia brasileira está sendo muito lenta nas respostas e, quando responde, é pouco firme - critica o cientista político Ricardo Caldas.

Para ele, o rumo da política externa brasileira está equivocado. Lula tem dado pouca importância a mercados como o americano e o europeu:

- O Brasil é muito preso ao Mercosul e à África, que ainda não respondeu às investidas de integração de Lula.

"Quanto mais próximos de um país ou bloco, mais brigas"

Fora uma ou outra reação um pouco acima do tom, a ordem é manter como está a política externa do Brasil para a América Latina. Lula não quer e não vai comprar briga com Chávez, pelo menos por enquanto. Na prática, porém, está retomando uma agenda mais ofensiva voltada para o continente. Em agosto, visitará países da América Central e do Caribe, além do México. Segundo o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, trata-se de reforçar a integração política e comercial da região.

Mas a ida de Lula a países geograficamente próximos da Venezuela - e alguns sob certa influência do país de Chávez - é vista no governo como uma tentativa de ampliar seus espaços na região. Outra linha de ação programada pelo presidente é aproximar o Brasil dos Tigres Asiáticos (Taiwan, Cingapura, Coréia do Sul, Hong Kong, Malásia, Tailândia e Indonésia), mercado inexplorado pelo governo Lula. A idéia é aumentar as relações com outros blocos, demonstrando assim que a integração pretendida não se resume apenas ao hemisfério Sul.

- Quanto mais próximos estamos de um país ou bloco, mais brigas surgem. Que ninguém imagine que os líderes dessas nações devem se comportar como rainhas da Inglaterra. Estamos prontos para responder, se sentirmos que há interferência em nossos assuntos internos - disse uma fonte da área diplomática.

No Planalto, a visão do presidente e de seu assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, é mais contemporizadora em relação ao que chamam, internamente, de arroubos verbais de Chávez e Morales em relação ao Brasil. Garcia lembra que pouco depois de Chávez criticar a estratégia do Brasil de ampliar e exportar a produção de etanol - com alegação semelhante a de Fidel, de que a cana de açúcar substituirá a plantação de alimentos -, o governo venezuelano fechou a compra, nos próximos dez anos, de US$300 milhões do biocombustível brasileiro.

- Essas brigas na região não devem ser motivo para rever a política externa. Mesmo porque os interesses econômicos se sobrepõem à questão política - disse o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Virgílio Arraes.

No Itamaraty, desejo é de reações mais duras

Chávez terminou se desdizendo, disse Garcia, que considera importante para o governo Lula manter nos mesmos níveis as atuais relações com a Venezuela e com a Bolívia. Mesmo com arroubos autoritários dos vizinhos, prevalece no governo e no PT o entendimento de que são governantes eleitos pelo povo. Sobre o fechamento do canal de TC RCTV, Garcia comentou, durante a visita de Lula à Índia:

- Podemos até questionar do ponto de vista político, mas ele (Chávez) não fez nada ilegal.

No Itamaraty, há uma avaliação mais crítica e severa por parte de diplomatas importantes. É muito comum ouvir que o venezuelano se supera a cada nova confusão e que já teria chegado a hora de Lula ter reações mais afirmativas e enérgicas para se contrapor ao comportamento de Chávez.

(*) Enviada especial