Título: Grampos revelam corrupção no carnaval 2007
Autor: Otavio, Chico de e Jupiara, Aloy
Fonte: O Globo, 10/06/2007, Rio, p. 22

Ligações indicam pagamento de propinas a jurados, que, segundo a PF, também seriam pressionados por pistoleiro.

A Polícia Federal gravou, durante a Operação Hurricane, ligações telefônicas que indicam o pagamento de propinas a jurados no desfile deste ano das escolas de samba do Grupo Especial. Um relatório da Divisão de Contra-Inteligência da PF, sobre indícios de manipulação do resultado, também revela que um pistoleiro seria usado pelo bicheiro Aniz Abrahão David, o Anísio da Beija-Flor, para pressionar jurados.

O relatório, já entregue à 6ªVara Federal Criminal do Rio de Janeiro, registra gravações de telefonemas entre o bicheiro Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, ex-presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio (Liesa), e seu sobrinho, o advogado Júlio Cesar Guimarães Sobreira, ambos presos durante a Operação Hurricane, sob a acusação de integrar uma rede de corrupção que atua na máfia dos caça-níqueis.

Apontado nas investigações como o principal tesoureiro da organização criminosa chefiada por Capitão Guimarães e Anísio da Beija-Flor, Júlio Cesar era o responsável pela escolha do corpo de jurados. Também ocupava o cargo de secretário-geral da Associação de Bingos do Estado do Rio e foi acusado de cuidar da liberação do dinheiro usado no pagamento de propinas a policiais e no financiamento de campanhas políticas.

PF encontrou em parede falsa R$4 milhões

Júlio Cesar, em ligação telefônica interceptada pela PF no dia 8 de fevereiro deste ano, orienta Jacqueline da Conceição Silva, integrante do esquema, a fornecer um ¿kit¿ para determinado jurado do desfile ¿ não há referência a nome no relatório. Como Jacqueline foi identificada como responsável pela organização e pela contabilidade da propina paga a policiais, sem ter ligação com o carnaval, a polícia desconfia que o ¿kit¿ possa ser propina.

Na ligação, Jacqueline diz que está mandando ¿o negócio para a pretinha¿ (imóvel usado pela organização criminosa para o pagamento de propinas). Depois de ouvir de Júlio Cesar o pedido para que providencie os trâmites necessários a alguém que havia aceitado o convite para ser jurado, Jacqueline informa ao chefe que ¿o rapaz faz a posição¿ e ¿mandou dizer que hoje é pouco, mas que Júlio sabe por quê¿. O sobrinho de Capitão Guimarães responde que sim, mas quer que mande um fax ¿com a posição¿.

Na ¿pretinha¿ ou ¿casa preta¿, um apartamento na Rua Conde de Bonfim, na Tijuca, de onde Júlio geria o corpo de jurados, a PF descobriu uma parede falsa, na qual estavam ocultos R$4 milhões. Para os investigadores, o dinheiro (supostamente arrecadado em jogos de azar) comprova que o sobrinho de Capitão Guimarães evitava usar o sistema bancário.

Polícia sugere auditoria na contabilidade da Liesa

A PF relata também que, após a deflagração da Operação Hurricane, recebeu denúncias de que uma pessoa conhecida como Paulinho Crespo atuaria como matador a serviço de Anísio. Recebeu ainda informações de que ¿alguns indivíduos (não identificados), que trabalharam como jurados no carnaval e que se recusaram a receber benefícios de Anísio, foram ameaçados ou tiveram seus familiares ameaçados de morte, caso a escola de samba Beija-Flor não ganhasse o carnaval de 2007¿. Não há detalhes sobre como os policiais chegaram a essas informações e quem é Paulinho Crespo. A Beijar-Flor foi a campeã do desfile.

No relatório, a PF sugere que a CPI criada pela Câmara dos Vereadores do Rio para apurar a manipulação do resultado do carnaval investigue os contratos firmados entre a Liesa e pessoas jurídicas que atuaram no carnaval. Recomenda ainda que apure a vinculação entre membros da entidade e escolas de samba, ¿com o objetivo de verificar se existe isonomia de tratamento da liga com todas as escolas ou se há algum tipo de favorecimento¿.

A PF propõe uma auditoria na contabilidade da liga, ¿em virtude da expressiva quantidade de dinheiro arrecadado com ingressos e propaganda¿, e investigações sobre a ligação dos presidentes de escolas de samba com a máfia do bicho, dos bingos e dos caça-níqueis.

O relatório aponta ainda que, no notebook de Júlio Cesar, foi encontrada uma planilha com nomes dos 40 jurados do carnaval deste ano. Entre eles, 11 estavam destacados. Os agentes federais afirmam, no entanto, que neste momento não é possível dizer por que os nomes estavam destacados.

As gravações revelam conversas entre Capitão Guimarães e Júlio Cesar sobre procedimentos de seleção de jurados. Para a polícia, os dois parecem estar falando em código, como na ligação do dia 7 de fevereiro, quando Júlio se refere a um jurado como ¿HNI¿, elogiando a sua escolha ¿ não há, na lista oficial, nome de jurado que comece com essas iniciais.

Em entrevista ao programa ¿Fantástico¿, da TV Globo, em 15 de abril, o delegado federal Emmanuel Henrique de Oliveira, da Contra-Inteligência, afirmou haver indícios de manipulação por parte de Anísio. Além dele, de Guimarães e Júlio Cesar, foi preso durante a Operação Hurricane o bicheiro Antonio Petrus Kalil, o Turcão. A rede de influência e corrupção inclui policiais, políticos, advogados, empresários e juízes.

Para a polícia, as provas colhidas durante a Operação Hurricane sobre o carnaval demonstram ¿o evidente indício de favorecimento ou pelo menos parcialidade por parte da liga com Anísio da Beija Flor¿. Informada sobre o relatório, a Liesa não retornou o contato.

* Do Globo Online