Título: Estrutura perversa
Autor: Leme, Nelson Paes
Fonte: O Globo, 11/06/2007, Opinião, p. 7
Na discussão pública que já começa a se desenhar sobre financiamento de campanhas e corrupção, dentro da reforma política inadiável é, talvez -- e não por acaso vinda de um economista -, do professor Eduardo Giannetti da Fonseca a crítica mais consistente ao que acontece em termos de corrupção e impunibilidade, no tocante a desvios de recursos públicos: a estrutura federativa brasileira é construída de forma perversa, do ponto de vista dos fluxos orçamentários. É perversa da ótica do distributivismo tributário. E essa perversão é decorrente da malformação congênita da nossa Federação. União, estados e municípios arrecadam mal e distribuem pior por um fluxo orçamentário totalmente invisível pela sociedade.
Inicialmente, a inexistência de "distritos federados" em nossa estrutura federativa, com municípios gigantescos como São Paulo, Rio e Belo Horizonte, por exemplo, gera a quase total impossibilidade, por parte dos respectivos tribunais de contas, de uma fiscalização adequada na origem das captações e aplicações dos recursos orçamentários municipais e estaduais. E os repasses para pequenos municípios de recursos captados pela União, nesse camaleônico caminho de ida e volta, com a ação das emendas orçamentárias pelo Legislativo central, são uma fonte incontrolável de corrupção, como mostram as últimas ações da Polícia Federal.
Uma das saídas está há muito em discussão no Parlamento. Na visão do senador Pedro Simon, na forma atual o orçamento é praticamente uma peça de ficção. Debatido e aprovado no Congresso, é depois alterado por emendas dos parlamentares e sua execução fica a cargo do Ministério da Fazenda, que dá a palavra final sobre cada item. Com exceção das verbas contingenciadas constitucionalmente (como as destinadas a saúde e educação), todas as demais podem ou não ser liberadas. O orçamento impositivo procura corrigir essa falha, mas enrijece sua execução. Quanto ao orçamento participativo, além do Congresso, outras instâncias da sociedade seriam ouvidas, entre elas universidades, centrais sindicais, OAB etc., gerando um debate mais amplo sobre a aplicação dos recursos disponíveis.
Mas não é suficiente essa revisão legislativa se não for combinada com uma incisiva revisão da estrutura federativa, de modo a aproximar o cidadão, fonte primeira do poder soberano e dos recursos, de sua correta aplicação e seu direcionamento mais equânime e mais democrático, com a revisão do Art. 18 da Constituição. Porque essa ação só se dará em sua plenitude com a efetiva aproximação do eleitor do eleito, do contribuinte da fiscalização dos recursos arrecadados e de seu correto retorno em forma de bens e serviços. Somente a adoção de uma nova estrutura federativa e tributária mais justa, na qual o "distrito federado" venha a resolver esse impasse denunciado por Eduardo Giannetti da Fonseca.
É claro que a reforma da educação, como propõe a cruzada insone do senador Cristovam Buarque, é indispensável a médio e longo prazos. Mas a adoção desses mecanismos constitucionais mais ao alcance do nosso dia-a-dia pode diminuir imediata e consideravelmente essa queima absurda do dinheiro do erário. É questão pura e simples de espírito público e vontade política.
NELSON PAES LEME é advogado e cientista político.