Título: Tango brasileiro
Autor: Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 12/06/2007, Economia, p. 23

Exportadores nacionais investem na Argentina para escapar à valorização do real.

AArgentina tornou-se o novo objeto do desejo de empresas exportadoras prejudicadas pelo câmbio valorizado no Brasil. Embalado por uma expansão média de 9% ao ano, nos últimos quatro anos o país vizinho tem atraído cada vez mais investimentos brasileiros e é hoje uma das principais opções das empresas que decidiram transferir parte da produção para o exterior, como forma de reduzir custos e evitar prejuízos com a desvalorização do dólar. Pelos cálculos da Câmara Brasil-Argentina, nos últimos quatro anos, os investimentos brasileiros naquele país chegaram a US$7 bilhões.

Empresas dos setores de calçados, têxteis, autopeças, montadoras, entre outros, são atraídas pelas vantagens de uma economia em franca expansão, com câmbio favorável (um dólar vale três pesos argentinos), carga tributária mais baixa - 24% do PIB contra 39% no Brasil - e mais flexibilidade na contratação e dispensa de mão-de-obra, entre outras vantagens.

- As condições são muito favoráveis para as empresas brasileiras. As regras para contratação e dispensa de mão-de-obra, por exemplo, são bem mais flexíveis, sem riscos de acumular passivos trabalhistas - observa o empresário Alberto Alzueta, presidente da Câmara Brasil-Argentina.

O crescente interesse de empresas brasileiras em instalar unidades na Argentina ou associar-se a empresários argentinos é confirmado pelo Grupo Brasil, entidade privada que representa 80 empresas brasileiras já instaladas naquele país.

- Nos setores de alta demanda de mão-de-obra, como é o caso da indústria têxtil, de calçados e de autopeças, vemos vantagens pontuais nítidas - afirma Álvaro Schocair, presidente da entidade.

Investimentos chegam a US$3 bi

A Consultoria Econômica Abeceb.com, do ex-secretário de Industria da Argentina Dante Sica, elaborou uma lista com os investimentos já anunciados, que chegam a US$3 bilhões, entre 2006 e 2007.

- A economia argentina vive um ciclo de crescimento muito mais sustentado do que no passado. Temos problemas, mas não existe o perigo de antes. Isso atrai os investidores - afirma Dante Sica.

O economista cita o exemplo da Coteminas, gigante na área de têxteis de propriedade da família do vice-presidente José Alencar, que anunciou investimentos de US$50,9 milhões na fábrica instalada na província de Santiago del Estero, entre 2006 e 2007. Com o maquinário mais moderno da América Latina, a unidade argentina da Coteminas está voltada não apenas para o mercado local, mas também para a exportação.

Outros exemplos reforçam a disposição de empresas brasileiras em ampliarem seus investimentos na Argentina. A Alpargatas, que produz as sandálias Havaianas, está negociando a compra da fábrica argentina, da qual se desfez na década de 90, para a produzir o tênis Topper e exportar para a América do Sul. Já a Fiat decidiu reativar a fábrica de Córdoba, com investimentos de R$60 milhões, e transferirá para a Argentina, a partir de 2008, a produção das 50 mil unidades do Siena fabricadas em Betim (MG).

- A decisão de reativar a fábrica da Fiat na Argentina leva em consideração um conjunto de oportunidades. E, nessa equação, a taxa de câmbio na Argentina é um fator extra que favorece a decisão - diz o presidente da Fiat, Cledorvino Belini.

Vice-presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Milton Cardoso acompanha de perto a migração de empresas brasileiras para a Argentina em busca de custos menores de produção e melhor rentabilidade. Líder de um dos setores mais atingidos pela valorização do real frente ao dólar, Cardoso é também diretor superintendente da Vulcabrás, que produz com exclusividade os produtos esportivos da marca Reebok destinados aos mercados de Brasil, Argentina e Paraguai.

A empresa está instalando uma fábrica em Buenos Aires e vai transferir para lá um terço da produção da unidade de Horizonte, no Ceará, que hoje é exportada para a Argentina.

- Mesmo com salários mais altos do que no Brasil, o custo da mão-de-obra é mais barato na Argentina, porque os impostos que incidem sobre a folha de pagamento são mais baixos - diz o empresário, acrescentando que, com um piso salarial de R$560 na Argentina e de R$390 no Brasil, o custo total da hora trabalhada ainda é 8% mais baixo no país vizinho.

A fábrica da Vulcabrás no Ceará tem nove mil empregados, e a manutenção desses empregos depende do desempenho do mercado brasileiro até 2008. O empresário diz ainda que outra vantagem comparativa oferecida pelo governo argentino é o imposto de importação de 35% para proteger a indústria local.

- A indústria está defendendo seus interesses ao transferir parte da produção para a Argentina e outros países. Mas o efeito final dessas decisões é sobre o nível de emprego no Brasil - afirma o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Edgard Pereira.