Título: Band-aid cambial
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 13/06/2007, Economia, p. 22

O governo começou o processo de indenizar algumas empresas pelas "perdas" com o câmbio. Este é o primeiro erro: o de enfoque. Câmbio flutuante não é um desastre natural pelo qual companhias devam ser ressarcidas - é a política cambial adotada. Escolher alguns setores é outro equívoco. Há muito a fazer para permitir o aumento da competitividade das empresas, mas as medidas precisam ser gerais.

Um bom plano para recuperar a competitividade e a rentabilidade perdidas neste momento seria iniciar um programa de reformas econômicas e de investimentos em infra-estrutura. O país reduziria o custo-Brasil, que pesa sobre as atividades de investir, produzir e contratar no país.

O governo Lula não faz a reforma trabalhista, enrola a da previdência, não cumpre o que prometeu sobre desoneração da folha e adia a reforma tributária. Se isso fosse feito, as empresas poderiam ter custos menores direta e indiretamente. A reforma tributária, mesmo se não reduzir os impostos, pode simplificar a barafunda de impostos, taxas, e tarifas pagas pelas empresas brasileiras. Pode cortar custos só em tornar a vida de uma companhia mais simples e fácil de entender.

No quinto ano de seu governo, o presidente Lula ainda não tem agenda. Tem promessas no ar. E alguns pacotes. Assim, foi preparado mais um, numa reunião anteontem à noite no Palácio do Planalto, no estilo de antigamente: alguns setores receberão mais subsídios que outros.

Pelas contas anunciadas, haverá empresas que, se pagarem em dia, terão juros de 5,6%, num país onde o governo paga 12% pelos seus títulos. Se os juros do BNDES já são naturalmente subsidiados, esses escolhidos teriam muito mais subsídios. E tudo com o seu, o meu, o nosso dinheiro, recolhido no Fundo de Amparo ao Trabalhador. Melhor seria usar esses recursos em qualificar o trabalhador. Ele seria mais bem amparado.

Câmbio é conjuntural. Principalmente sendo flutuante. Se eles recebem esse incentivo agora, o que farão se o dólar subir? Mais que isso: como ressarciram o país quando o dólar estava a R$4, ou em outros valores bem maiores que o de hoje?

A idéia do câmbio flutuante é que o aumento da importação vai, em algum momento, estabelecer um ponto de equilíbrio. Hoje o dólar está baixo no mundo inteiro, o que tem prejudicado muita gente. Imagina se todos fossem pedir uma compensação ao governo. Quem trabalha fora e manda dinheiro para a família no Brasil empobreceu 30% nos últimos tempos. As ONGs, que vivem de recursos enviados do exterior, também empobreceram. Os pequenos agricultores estão com dificuldades.

O governo diz que os setores escolhidos são os de mão-de-obra intensiva. Ora, o melhor - e mais duradouro - então seria uma reforma que reduzisse o custo do trabalho e modernizasse essas relações.

Os R$3,6 bilhões das medidas anunciadas não deverão ajudar a resolver nem "os efeitos da sobrevalorização cambial" nem a "concorrência predatória", objetivos do pacote, segundo a própria Fazenda. No caso da linha de crédito de R$3 bilhões, será para calçados, artefatos de couro, têxtil, confecções e móveis. Com o dólar baixo, essas indústrias perderam rentabilidade; várias foram prejudicadas por importações da China, porque o câmbio chinês é congelado e dá a eles uma competitividade artificial. A luta contra isso é em outro lugar: na OMC.

O maior problema dessas decisões pontuais é que, muitas vezes, beneficiam apenas setores específicos, cujo lobby é mais forte e capaz de atrair para si as benesses do governo. Certas medidas são tão restritas que atingem um número mínimo de empresas. Tome-se este exemplo: hoje, quem exporta mais de 80% não paga PIS/Cofins quando adquire insumos e bens de capital. O governo propõe reduzir para 60% o percentual necessário. Com isso, apenas incluirá 60 empresas num número já pequeno de 138 que são atualmente beneficiadas.

Será que não há outras maneiras de atingir um número muito maior de empresas, de beneficiá-las como um todo? Qualquer investimento em melhoria da infra-estrutura de transporte ajudaria muito mais - e de forma muito mais justa - que mais um pacote de subsídios para os escolhidos.

Um estudo da MB Associados, analisando de 2001 a 2005, mostra que, em diversos setores, o Brasil não tem vantagem comparativa - ou seja, sai perdendo na competição com outros países - desde antes da valorização do real.

"O Brasil tem vantagens claras em setores commoditizados e não em manufatureiros tradicionais. O câmbio tem prejudicado setores importantes da manufatura, mas eles já não possuíam vantagens comparativas em 2001. Mesmo que o câmbio se deprecie, fica-se com a impressão que essa indústria manufatureira tem dificuldades competitivas no cenário global e, para recuperar espaço num mundo com a China, pode se tornar difícil", diz o texto. Ele também destaca que alguns setores, como roupas femininas, bebidas e eletroeletrônicos, vêm perdendo competitividade.

De qualquer forma, o pior a fazer no século XXI é reeditar uma política que já não deu certo nos anos 70; e ainda concentrou renda.