Título: CPMF: R$33,5 bi já foram desviados da Saúde
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 13/06/2007, Economia, p. 23

Segundo auditores, nos últimos 10 anos recursos deixaram de ir para políticas sociais e formaram superávit fiscal.

BRASÍLIA. Criada para ajudar a financiar a Saúde no país, a CPMF acabou se tornando mais uma fonte de recursos do governo para o pagamento de juros da dívida pública. Nos últimos dez anos, nada menos que R$33,5 bilhões da arrecadação da contribuição deixaram de ser aplicados em políticas sociais e ficaram no caixa do Tesouro para, entre outras coisas, fazer superávit primário, ou seja, economia para pagar juros. Segundo levantamento do Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal (Unafisco), esse montante equivale a 18% do total da arrecadação da CPMF no período, de R$185,9 bilhões.

Os recursos deveriam estar chegando à Saúde e também à Previdência Social e ao Fundo de Combate à Pobreza (que entraram na partilha da CPMF posteriormente), mas essas áreas têm sido obrigadas a dividir espaço com o esforço fiscal da equipe econômica. Segundo o estudo do Unafisco, na última década, 45,02% da arrecadação da contribuição chegaram à Saúde, 20,18%, à Previdência e 16,8%, ao Fundo de Combate à Pobreza.

- Além de ser um tributo injusto, que incide em cascata, o estudo mostra que a CPMF não está servindo ao seu propósito inicial - afirma a diretora de Estudos Técnicos do Unafisco, Clair Hickmann.

O levantamento destaca que o desvio dos recursos da CPMF ocorre devido à Desvinculação de Receitas da União (DRU). Esse mecanismo permite ao Executivo realocar 20% do Orçamento, inclusive o destinado às políticas de seguridade social (com exceção do Fundo de Combate à Pobreza).

Na década, alíquota subiu e arrecadação saltou 216%

O trabalho do Unafisco mostra ainda que o reforço da CPMF para a política fiscal cresceu ao longo da última década: sua arrecadação subiu 216,10% no período, contra alta de 78,42% dos tributos administrados pela Receita. Além disso, devido às mudanças na legislação da CPMF, levando a alíquota de 0,2% para os atuais 0,38%, a incidência tributária da CPMF subiu de 0,74% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1997 para 1,38% do PIB em 2006.

O quadro, diz Clair, traz à tona a discussão sobre as contas da seguridade social. Segundo o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) de 2005, se todas as receitas destinadas à área tivessem sido efetivamente aplicadas (incluindo, além da CPMF, outras contribuições, como Cofins), o resultado seria um superávit de R$19 bilhões, não um déficit de R$14 bilhões.

- Se o governo tivesse transparência, assumiria que um dos principais problemas da seguridade está no fato de que parte dos recursos vai para o ajuste fiscal - afirma a professora da UFRJ Maria Lúcia Werneck.

Mas, justamente pelo peso significativo da CPMF na arrecadação, o governo vem trabalhando para aprovar no Congresso a prorrogação de sua cobrança até 2011. A proposta também prevê prorrogar a DRU pelo mesmo período.

Antecipando a dificuldade de aprovar essas medidas, o Planalto vem se mostrando disposto a atender às reivindicações dos governadores, como ampliar o limite de endividamento dos estados. O próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, já admitiu que a União poderá fazer um esforço fiscal maior este ano para aliviar os estados. Ele também indicou que o governo poderia suspender a cobrança da CPMF sobre algumas operações de crédito.

Conselho discute CPMF como tributo fiscalizatório

O Unafisco defende a cobrança da CPMF, mas com uma alíquota residual. Como incide sobre as movimentações financeiras, ela permite que a Receita identifique movimentações financeiras incompatíveis com a renda do contribuinte.

Essa hipótese foi discutida ontem na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) que tratou da reforma tributária. Mas não se falou em redução de alíquota.

- A proposta de reforma tributária pode sinalizar uma mudança da CPMF, transformando-a num tributo fiscalizatório - diz o ex-governador do Rio Grande do Sul Germano Rigotto, que participou da reunião, a portas fechadas.

Para o CDES, o governo precisa dar um sinal de que haverá redução da CPMF. Na Câmara e no Senado, tramitam propostas para reduzir a alíquota já em 2008, o que o governo não aceita. Segundo Rigotto, a proposta de reforma tributária do governo prevê a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) em níveis federal e estadual.

COLABOROU Chico de Gois