Título: Venceu a inércia
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 14/06/2007, O Globo, p. 2

Entre os que nada querem mudar no sistema político, há os que não enxergam suas mazelas e há os que, mesmo sabendo delas, preferem as regras atuais porque conseguem se dar bem com elas. Eles ganharam ontem, impedindo a votação do primeiro ponto da reforma política pela Câmara, o voto em lista fechada. Mas foi melhor. Se tivesse havido a votação, a rejeição ou a aprovação teria acontecido por escassa maioria. Uma mudança dessa envergadura não deve jamais desprezar a legitimidade que só a ampla convergência propicia.

Nem por isso deve agora a Câmara desistir da reforma política, ainda que o voto em lista fosse a base do projeto amarrado pelo deputado Ronaldo Caiado. Entre os muitos que falaram sobre o inteiro teor da reforma, o mais pedagógico foi Onyx Lorenzoni, também do DEM, demonstrando o quanto a mistura entre personalismo eleitoral, financiamento privado, campanhas dispendiosas e infidelidade partidária têm estimulado e facilitado o delito, a transgressão, o caixa dois, a mistura entre público e privado, culminando no que ficou conhecido em 2005 como mensalão, o compartilhamento indecente de um caixa dois pelo PT e seus partidos aliados. Mas no plenário nervoso, onde até velhos amigos se estranhavam ontem por conta da votação que acabou não ocorrendo, prevalecia o entendimento de que cada um deve ser dono de seu mandato. Pesaram argumentos sobre o controle que os caciques teriam sobre a lista, como se já não o tivessem. Falavam que vão encher as listas de parentes, como na Argentina, como se o plenário já não fosse habitado pelos filhotes de velhos políticos. Tudo isso tem agora uma chance de ser mais bem discutido pelos que sinceramente buscam a melhor reforma. Para os que acham que está tudo bem, ficou muito bem. Há medidas provisórias a serem votadas, e, enquanto estiverem trancando a pauta, a reforma política fica no congelador. Outros projetos e medidas provisórias podem manter o bloqueio por mais tempo.

A tentativa de votação de ontem mostrou que nem o PT desfruta mais da velha disciplina. Fechada a questão a favor da lista, mais de 30, liderados pelos deputados Cândido Vaccarezza, Carlos Zarattini e Sérgio Carneiro, se dispunham a votar contra. Isso pesou na aprovação do requerimento de Arnaldo Faria de Sá, pela retirada do assunto da pauta. Já pesara, e muito, a decisão do PSDB de encaminhar contra a lista, sob a batuta do deputado Arnaldo Madeira, seu ferrenho combatente. Certo é que, em todos os partidos, talvez com exceção do DEM, haveria dissidências. Não é mesmo recomendável mudar o sistema de escolha dos que representam o povo num tal quadro de dissensão. Mas o objetivo parece ser este mesmo: passar a impressão de que divergem sobre o que mudar, quando na verdade o que se quer é conservar. Isso vale pelo menos em relação aos que foram vitoriosos ontem.