Título: A revolta dos "bagrinhos
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 14/06/2007, O País, p. 4

A provável derrota do sistema de lista fechada, que ficou patente nas discussões de ontem, foi uma vitória das bases partidárias contra as cúpulas dirigentes dos principais partidos, que haviam fechado questão a favor da medida em acordos que muitas vezes não refletiam a tendência de boa parte das bancadas. O exemplo mais claro de que o conjunto da reforma política que estava para ser aprovado fortalecia ainda mais as direções partidárias foi o fechamento de questão a favor do sistema de lista preordenada pela executiva nacional do PT, enquanto cerca de 30 deputados, de uma bancada de 83 membros, eram contrários. Típico indicativo de que as cúpulas partidárias passariam a tentar controlar, desde o nascedouro, a formação e atuação das bancadas.

Depois que o presidente Lula definiu seu irmão Vavá como "um lambari", a metáfora piscosa virou moda. A de ontem foi uma revolta "dos bagrinhos", como definiu o deputado petista do Maranhão Domingos Dutra, um dos que se insurgiram contra a orientação da direção do PT e anunciou da tribuna que enfrentaria a Comissão de Ética do partido, mas não votaria na lista fechada. Além do PT e do PMDB, o Democratas, por razões próprias, também fechou questão a favor das listas fechadas ou preordenadas.

Dominado por clãs políticos nos mais expressivos estados, o DEM tinha na lista fechada a melhor maneira de garantir o controle partidário para seus principais líderes, muitos dos quais já têm seus sucessores em atividade no partido.

A começar pelo próprio presidente da legenda, deputado Rodrigo Maia, que representa a dinastia iniciada com o prefeito Cesar Maia, que reproduz no cosmopolita Rio de Janeiro o mesmo processo de sucessão de dinastias que ocorre com mais freqüência nos estados do Nordeste.

Fundamental para a mudança do clima político foi a alteração de posição do PSDB. O partido assim agiu, aliás, por perceber que, enquanto se pensava que o que estava em discussão era uma reforma política, PT e PMDB atuavam em conjunto na aprovação da lista fechada com financiamento público de campanha já com vistas à montagem de futuras coligações nos estados e municípios, e na campanha para a Presidência da República, com o controle ainda maior das direções partidárias.

A adesão dos tucanos ao movimento contrário às listas fechadas deu uma dimensão política maior à contestação, e foi essencial para uma reviravolta no clima instalado de inevitabilidade da aprovação dos pontos do projeto relatado pelo deputado Ronaldo Caiado. A constatação de que não havia consenso para aprovar o projeto, cuja base é a lista fechada e o financiamento público de campanha, provocou uma discussão da reforma política mais aprofundada.

O avanço deveu-se a uma outra constatação, esta, sim, se não consensual, pelo menos majoritária: a de que o atual sistema proporcional uninominal é o principal responsável pela fragmentação partidária, que retira a credibilidade da atividade política.

Mesmo que as mudanças em discussão exijam apenas maioria simples para serem aprovadas, ficou claro que os apoiadores da lista fechada não representavam essa maioria, depois da mudança de posição do PSDB.

O partido, assim, marcou sua posição opondo-se à coligação PT-PMDB, e passou a ter uma liderança natural nos debates. O principal ponto do projeto político dos tucanos, a adoção do voto distrital misto em cidades de mais de 200 mil habitantes, passou a fazer parte das alternativas colocadas na mesa de discussão.

Embora necessite de apoio muito maior do plenário, por tratar-se de emenda constitucional, o que inviabiliza sua avaliação neste momento de polêmica e tensão política na Câmara, a discussão do voto distrital mostrou que a simples aprovação de um sistema de lista fechada não resolverá o problema que os políticos enfrentam: uma reforma política que revigore a representação política junto ao eleitorado.

A partir do impasse, as negociações recomeçaram mesmo nos bastidores da sessão em andamento, e ao relator, para tentar salvar os dedos, já que os anéis já haviam se ido, só restou pedir prazo para adiar a votação.

Já havia quem admitisse a adoção do sistema belga, que permite que o eleitor altere na cabine de votação a relação dos candidatos na lista partidária.

O deputado Miro Teixeira, que liderou o movimento contra a lista fechada, ironizou: aceitaria a flexibilização da lista fechada se a monarquia belga também fosse instalada no país.

Na sessão de ontem da Câmara, um diálogo entre o presidente Arlindo Chinaglia e um deputado mostrou exemplarmente por que o trabalho parlamentar é tido por grande parte do eleitorado como uma farsa. A Câmara precisa indicar seu representante para a Comissão Nacional de Justiça, que se reunirá amanhã.

Chinaglia disse que a indicação poderia ser feita na próxima semana, sem prejuízo, mas foi alertado de que, pela Constituição, se a Câmara não indicar seu representante "dentro do prazo legal", o Supremo o indicaria.

Ao que Chinaglia tranqüilizou o deputado: "Não há problema, porque falta regulamentar o que seja prazo legal. Não havendo a regulamentação, não há prazo legal".